segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

AGULHA REVISTA DE CULTURA # 105 | Dezembro de 2017 | Editorial

● A OPULÊNCIA ANTECIPA A MALDADE

1 | Reformas são indispensáveis. Fazem parte da mecânica de qualquer norma. Devem ser efetuadas sempre que houver necessidade de atualização de um sistema. O dilema não está na reforma em si, mas antes em seu conteúdo, ou melhor, nos interesses que protagonizam a reforma. Mais especificamente, o dilema está na condição daquela fatia da sociedade que rege a reforma, o poder Legislativo. A lisura das reformas, em quaisquer âmbitos, exige um altruísmo da parte dos congressistas, hoje impossível de se encontrar, excetuando casos cuja função única é manter a relação entre regra e exceção. Demais poderes têm que atuar conforme a lei, porém o Legislativo é a Lei. Uma lei atualmente regida por gente a mais desonesta possível. Consequentemente toda e qualquer reforma trará benefícios únicos para a casta que comanda o espetáculo, o circo de horrores de nossa República.

2 | Há uma coisa criminosa nessa concepção da redação do ENEM. Dois critérios que por si só justificariam a correta aplicação de uma prova de redação – o domínio do vernáculo e a clareza na argumentação – estão sendo minimizados em face do julgamento sobre o entendimento que cada inscrito tem acerca do tema. A junta revisora converte-se em tribunal de valores, impondo uma linha de pensamento a seu bel prazer. Evidente que isto tanto inibe o candidato quanto atropela a formação de caráter do mesmo. Não tenho mais filhos em idade de vestibular, porém alerto a todos os pais conscientes que é no mínimo inaceitável o modo como este assunto vem sendo tratado pelo Governo.

3 | Utilização de celulares em salas de aulas, aprovada pelo Governo de São Paulo, é projeto piloto e tende a aprovação pelo MEC em esfera nacional. Como não há um conselho de pais de alunos e ou, caso exista, é inoperante e se subordina a todas as normas retrógradas impostas por um ministério absolutamente incompetente e a serviço de um princípio de derrubada sistemática das funções educativas, cria-se agora uma impossibilidade de relação entre alunos e professores. Alunos poderem consultar Internet ou conversar entre si virtualmente em sala de aula desmerece e desrespeita o acompanhamento didático e formaliza um padrão de consulta cujo conteúdo em grande parte é inconfiável. É tão óbvio o malefício que a medida causa que soa ridículo contestá-la. Repete-se aqui, no entanto, uma minimização dos efeitos danosos que advirão de tal prática. Uma vez mais a população se subordina às medidas mais espúrias do Governo.

4 | Como o brasileiro em geral é um tipo bipolar dá-me curiosidade saber quem está na outra ponta, cada vez que me deparo com elogios ou achincalhes, a quem quer que seja. De quem o sujeito é a favor quando declara ser contra alguém? Quem é o protótipo da integridade em relação ao acusado de chefe de quadrilha? Também acho um desalento quando vejo a facilidade com que se confunde o amoral com o imoral. Por vezes se embaralham inocentes e culpados, de acordo com a vareta mágica de quem manuseia nossos valores quase sempre mais oportunistas do que altruístas. A justiça também indaga a sua função em uma terra onde ninguém mais a cumpre de forma convicta e incondicional. Quem é o probo? Quem o desonrado? Qual a bola da vez e sua caçapa preferida?

5 | As cidades se entreolham, maquiando suas dores. Os reinos cresceram tortuosos, altares à míngua. As nove casas foram chamadas a identificar a queda. Trouxeram consigo um farnel de cal e bênção, como se a ilusão voltasse a modelar todas as almas. Novo saldo de impertinência acumulando poeira. Paradigma gasto dos dias mais escuros lembrados com a moenda dos sacrifícios ainda suja e quente. Os filhos arrastando seus grilhões, o olhar turvo, repetindo suadas ameaças de fuga de outras eras. Cenário descascado como um tempero da memória. Rostos revirados como folhas colhidas pelo acaso. Como arapucas e carapuças, um cento de mágoas. Na primeira das casas uma figura picava as sombras. Logo se via um balde de cinzas na soleira vizinha. As nove casas cerziam o retábulo de seus feitiços. A opulência antecipa a maldade ouvimos a víbora soletrando as asas de um mosquito antes de tê-lo.

6 | Pelo que nos permitiu deduzir o presidente da Câmara dos Deputados, gravidez por estupro é também um ato de amor. Dando uma passada pelas manchetes da grande imprensa somos acometidos por uma dúvida, se o roteiro de nossa realidade equivale ao de um filme de terror ou de uma comédia bufa. De um modo ou de outro nos dá a mais nítida impressão de que estamos sendo trapaceados. E o gozo cínico dos canalhas vem fiado por todas as congregações do Grande Espetáculo, com os ditames clássicos da moral e da cívica. Não há uma única voz confiável que funcione como uma baliza, por menor que seja. Como até mesmo os manuais de sobrevivência foram retirados de circulação, não se sabe o que será do dia seguinte enquanto perdure a noite. Viver assim, na mais completa ignorância, deve também ser uma forma de estupro, portanto, um ato de amor.

7 | Os estigmas de maior incidência em nossa sociedade – refiro-me ao Brasil – são todos da casa de uma relutância em aceitar que muitos de nós participamos da alegoria existencial dos anos 1960 e 1970 e que a turbulência moral era então aceita como uma instância natural, não importando sua relação direta ou indireta com sexo, religião e política. As décadas se passaram, roladas por baixo de uma ponte erguida pela hipocrisia, e hoje tratamos dos mesmos temas como se meio século houvesse sido congelado no tempo. Desconfio que o único avanço da sociedade brasileira pertinente aos costumes tenha a ver com seu revés. Duvidamos do que somos, por mais que ansiemos por ser outro. Não aceitamos o que somos e fraudamos as infinitas possibilidades de sermos outros. Reflexo disto é que circulemos pelo empório das crises políticas ou econômicas, nos escondamos nos porões das crises religiosas e nem de longe aceitemos a matriz geradora de todas elas, a crise moral.

NOTA | Durante todo o ano de 2018 a Agulha Revista de Cultura dedicará seus 12 números mensais a edições monotemáticas. Agradecemos a todos os nossos colaboradores pelo avanço afetivo e sistemático de nossas cumplicidades. Como projeto editorial paralelo ao da revista, segue em franca expansão o catálogo da coleção “O amor pelas palavras”, uma parceria Editora Cintra/ARC Edições, de circulação exclusiva pela Amazon: http://abraxasloja.blogspot.com.br/2017/10/colecao-o-amor-pelas-palavras-editora.html

Os Editores


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ÍNDICE

ALFONSO PEÑA | Mario Maffioli y el viaje a la textura orgánica de la naturaleza

ESTER FRIDMAN | A humanidade futura atirando a flecha

FLORIANO MARTINS | Uma breve apresentação de Agathi Dimitrouka

GABRIEL JIMÉNEZ EMÁN | Poesía y filosofía en Ludovico Silva

HANS ARP | Sophie Taeuber-Arp

ISIS ROST | Navilouca, revista de inversão

LEONTINO FILHO | Raduan Nassar, o sobrevivente tempo da paixão

LILIAN PESTRE DE ALMEIDA | “Etat des lieux”: à propos d’un poème tardif de Césaire ou pour dire encore l’espoir

MANUEL MORA SERRANO | Algunas cotidianeidades ciudadanas

ZUCA SARDAN & FLORIANO MARTINS | Plek-Plek-Plex Repescando memórias

ARTISTA CONVIDADO Paulo Aguinsky | SANDRA REGINA SCHERER | A escultura de Paulo Aguinsky


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Agulha Revista de Cultura
Número 105 | Dezembro de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista
os editores não se responsabilizam pela devolução de material não solicitado
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CNPJ 02.081.443/0001-80







SANDRA REGINA SCHERER | A escultura de Paulo Aguinsky


Ao falar sobre a obra do escultor Paulo Aguinsky, é imprescindível que se faça um retrospecto comentando brevemente sobre a origem primordial do artista Paulo Aguinsky. Natural de São Borja, cidade localizada no extremo oeste do rio Grande do Sul, na fronteira com a Argentina, separada geograficamente pelo rio Uruguai. Se um rio é um bom divisor físico de fronteiras, por outro lado, do ponto de vista de influências e trocas culturais, que por ventura possam se estabelecer entre os povos vizinhos, este divisor pode ser pouco representativo; pois desde os mais simples hábitos são exportados e importados passando inevitavelmente por adesões de vocábulos, costumes, forma de selecionar e preparar alimentos, etc. sem entrar em detalhes sobre a assimilação de conceitos, pendores pelas mesmas músicas, das artes e festas que se fundem e multiplicam. De maneira geral os fronteiriços organizam-se de forma subliminar em uma irmandade particular, porém muito própria para cada região.
Paulo Aguinsky nasceu em 1942, final da segunda guerra mundial em que a efervescência deste fato deixou profundas chagas comprometendo de forma global todos os povos, mesmo aqueles que estavam muito distante do conflito. Paulo Aguinsky, neto de imigrantes, tanto por parte de pai como de mãe, oriundos da Europa, escaparam das atrocidades do nazismo e vieram para a América do Sul, precisamente Argentina e Brasil. Eram agrupamentos de pessoas com formação diferente, conhecimentos diversos, alguns técnicos em vários setores do comércio e da indústria. Artistas, entre estes, tios de Paulo Aguinsky; músicos profissionais em sua terra natal, que prontos, chegados a Buenos Aires trataram de logo arrumar um pseudônimo portenho, e “seguiram o baile”; formaram uma orquestra, adaptando-se ao gosto e predileções do meio cultural, obtendo desta arte meio de sobrevivência dentro do setor musical. Tendo a boa sorte de atuar naquilo que faziam de melhor.
 Nesta época os meios de comunicação eram precários no Brasil e ainda mais contundentes em lugares distantes dos grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo. Distante até mesmo era Porto Alegre. O sinal de rádio somente era exequível nos dias límpidos em todo o estado. (Sem comentar a extensa e prestimosa antena acessória; um robusto fio de cobre em espiral que serpeava no teto da sala de um extremo a outro).
Com o que se podia contar, na realidade, em alto e bom tom, eram as emissoras de rádio localizadas em Buenos Aires, potentes e mais próximas. Ai sim! Obtinha-se as mais variadas notícias do mundo; escutava-se todas as notícias, lançamentos de boleros e tangos, música clássica, poesia, novelas… Essa familiaridade com a língua espanhola e toda sua cultura faziam parte dos informes do dia a dia.
As falas em português com frequência estavam naturalmente assistidas por vocábulos da língua espanhola – o consagrado “portunhol”, falado sem preconceito, não só lá na São Borja mas em quase toda a estendida fronteira do Brasil.
Terminadas as aulas da manhã, a tarde era livre: correr nos campos vizinhos, caçar passarinhos com bodoque, banhar-se nos açudes; longe dos olhos do pai e da mãe nada era proibido. Nos fins de semana ir pescar piavas no rio Uruguai com o pai era uma expectativa que crescia a cada dia durante a semana.
 Das atividades culturais, talvez a mais marcante da infância de Paulo Aguinsky, tenham sido as “as trovas”, evento domingueiro esperado com ansiedade que ocorria no auditório da pequena rádio local da cidade. Os trovadores que se desafiavam deviam reunir, entre tantos assuntos um elemento fundamental que os qualificava e que gerava grande entusiasmo entre os ouvintes pela capacidade que dispunham os contendedores de improvisarem respostas surpreendentes, em versos rimados, com tanta rapidez e precisão! As trovas na escola, durante a hora do “recreio grande” era um dos ‘brinquedos preferidos, formado com platéia e tudo. Aguinsky e seu colega Jucata formavam uma dupla de protagonistas trovadores; dos mais entusiastas e aguardados pelejadores. Se tomarmos como ponto de vista a necessidade de sinalizar um marco que possa identificar um indivíduo com um artista, diríamos que “a trova”, para o menino Paulo Aguinsky foi a chama inicial que se ascendeu para a sua arte, e, é a mesma luz que perdura e o ilumina até os dias atuais, quer na poesia quer nas artes plásticas – O continuado poder de criar e improvisar.
Uma vez que se possua ou se adquira a capacidade de improvisar, expandem-se as funções que ultrapassam os limites daquilo que entendemos do que é real. A vida é algo que ignoramos sua verdadeira natureza e, aquilo que poderemos denominar de arte, nada mais é que uma necessidade do compartir, é a expressão elevada do arrebatamento, a possibilidade de pôr à vista os mais genuínos dos relacionamentos humanos. Aos onze anos de idade Paulo Aguinsky foi matriculado em um internato em Porto Alegre, (era costume na época, dadas as deficiências do ensino nas cidades interioranas), e o que ocorria já no primeiro grau. As famílias que dispunham de condições encaminhavam os filhos para outros centros com mais recursos. Assim, para o “Paulinho”, como era chamado por todos, conteve seu derradeiro adeus as caçadas de bodoque, aos banhos de açúde, as pescarias de piavas no rio Uruguai com o pai, adeus brincadeiras, amigos, trovas… Adeus São Borja.
Uma criança separada de seu reduto familiar onde brinca e interage com o meio ambiente através de seus brinquedos e brincadeiras com os amigos; vê seu mundo ruir. A separação dos pais, e de tudo de importante que existe na vida de uma criança; impinge um grande sofrimento. Configura-se como uma perda implacável, por mais objetiva e nobre que possa parecer a intenção de quem determina tal ato.
Paulo Aguinsky partiu para o internato com o número “106” bordado em todos os seus pertences, uma identificação particular, ditame predeterminado, administrativamente da
escola.Em um internato, que pela sua natureza, recebe estudantes dos mais diferentes rincões, com alunos oriundos das mais variadas e diversificadas formações culturais, torna-se muito difícil, a qualquer recém chegado uma adaptação imediata.
 Na busca por encontrar uma relação com o novo ambiente, novos amigos, na cata de uma lacuna, de algo que lhe permitisse “respirar”; Aguinsky, descobriu nos novos livros do currículo a poesia; “eram muito parecidas com as trovas, mas escritas” e podiam ser relidas infinitamente. De imediato, tomou-as como seu novo brinquedo. Também a declamação, que a escola tinha como prática corrente em suas atividades sociais lhe criaram grande alento. Passou a escrever poemas e publicá-los no jornal da escola, por anos praticou intensamente esporte e teatro. Conheceu a cerâmica e, de forma autodidata, passou juntamente com a poesia a dar grande destaque em sua vida a estas duas atividades. Esta foi a forma encontrada pelo artista para dar vazão à sua espontaneidade, à sua criatividade, à sua capacidade de improvisar e expressar-se através da arte. Ao formar-se no segundo grau, pensou fazer o curso de belas artes na Faculdade de Belas Arte em Porto Alegre, mas ficou inseguro ao perceber a vida de dificuldades que levavam os artistas plásticos de uma maneira geral na cidade e no Brasil. Pensou que uma profissão bem estabelecida, que lhe oferecesse condições de continuar realizando sua arte livre, independente dos aspectos econômicos que tanto desencaminham o trabalho artístico. Formou-se em medicina em 1972.


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SANDRA REGINA SCHERER AGUINSKY (Brasil). Arquiteta e curadora. Professora na URGS. Página ilustrada com obras de Paulo Aguinsky (Brasil), artista convidado da presente edição.


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Agulha Revista de Cultura
Número 105 | Dezembro de 2017
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ZUCA SARDAN & FLORIANO MARTINS | Plek-Plek-Plex Repescando memórias


Entra em cena o eunuco Bidê Kalção seguido por três pastorinhas e preparam a mesa com Salames Empédocles, chás de chávenas com chaves aladas e frutas sortidas caracterizadas por seus atributos pambióticos. Tudo certo, ao que parece e pelo contar das cadeiras, para o encontro entre dois convidados até o momento desconhecidos. Ao centro da mesa duas pequenas caixas de papelão, branquinhas, se agitam como se o conteúdo de cada uma delas estivesse por um fio para vir a baile. Decerto haverá mesmo um baile, e toda a dúvida quanto a isto se esvai ao darmos por conta dos vultos que adentram o ambiente. E entram entrosando uma mesma risada, como se acabassem de forjar um verbo com infinitas possibilidades de ação.

FM | Como o absurdo da existência pode requerer uma ciência própria para contê-lo e desanuviá-lo? Faz sentido o homem queimar tantas pestanas para dirimir suas dúvidas quanto ao que é ou deixa de ser?

ZS | Pros marxistas dos 50s, o absurdo da existência seria resolvido com o materialismo dialético que se apoiava na ciência, à qual a filosofia bolchevique dirigia e orientava, dando-lhe o sentido ético e social. E no plano da vida prática, acabava com os conflitos de classe graças à Ditadura do Proletariado. Despedida Metafísica, agora era só olhar pro Futuro onde se perfilava uma crescente felicidade sob a direção do Partido, quando o Mundo inteiro, enfim convencido, abraçaria o Comunismo para a liberação da Humanidade. Naturalmente, pra conduzir o Comunismo internacional havia, após o falecimento precoce de Lênin, o Stalin. Começa a terrível Segunda Guerra Mundial, e Stalin, em aliança com USA e Inglaterra, vence a Alemanha Nazista e o Mussolini. No após-guerra o Stalin perfila-se como o Supremo Chefe ideológico, militar, filosófico, moral do Mundo Comunista, ditando tudo, na Filosofia, nas Artes, na plantação de hortaliças. Após uma euforia galopante que conquistou noventa por cento das elites intelectuais e políticas da Europa, da China e América, meio inexplicavelmente, afrouxaram-se alguns parafusos, e o Stalin morreu. Segue avante o Partidão, mas vai batendo pino, cada vez mais forte, e acaba-se o sonho bolchevique com a queda do muro de Berlin. Então agora estamos vivendo na maravilha da Globalização Iluminista, com os Ricos cada vez mais ricos. E os pobres? Cada vez mais pobres, mas vão acabar se acostumando… (ou morrendo… faz de conta qu'eu não disse nada). Os que estão nas camadas remediadas se maravilham com os filmes de porrada, assassinatos, ficcionais ou reais, garotas gostosonas, e um trepa-trepa na tevê, que fica no meio de anúncios de automóveis e espanadores, e vem tudo embrulhado junto com o noticiário, pra ninguém mais distinguir a realidade da ficção, porque a realidade virou uma ficção e a ficção virou a realidade. Então, já não há mais necessidade de explicar o absurdo, porque já estamos vivendo no absurdo, e todo o mundo está gostando.

FM | Esta foi a grande cartada, que deve durar enquanto houver formas de financiamento da realidade. Governos mais astutos já distribuem antidistônicos como se fossem vacinas e o cinema alia-se à televisão para ajudar a deglutir melhor a ideia – já de todo natural – de que a verdade é um doping barato. A satisfação do cliente importa na medida em que o mesmo não cause problemas com a qualidade do produto que lhe é empurrado. Por toda parte rezam os cartazes que a ilusão é o melhor de todos os sedativos para eventuais crises de consciência. Não há mais peças de resistência, tudo é fast food. A moral tornou-se insalubre. Portanto, o absurdo agora está em descobrir um antídoto para os eufemismos e os prospectos de venda. Encurralados pela própria toline, já não está passando da hora de desfazer as malas e desistir da viagem pelo mundo irreconhecível?

ZS | O freguês deve aceitar logo o sanduiche que lhe é empurrado ou acaba sendo mal visto pelos outros clientes, e  deixará  ressentido o garçom. Nada melhor, afinal, de que a verdade venha em antidistônico na seringa  do remorso. Tome o seu antidistônico, e jogue o remorso no lixo. Só os sadomasoquistas insistem em mascar o remorso. Afinal, desmontado o circo do Céu e do Inferno, pra que serve o remorso? Só se for pra gozar mais…  Aliás… este é o segredo do sucesso da Divina Comédia, do Dante…

FM | Zuca, gostaria de saber como foram teus primeiros encontros com Dr. Faustroll.

ZS | Pois é, Doutor Faustroll me interessou de modo fulminante-instantâneo. Porque eu jovem adolescente respeitava, mas sentia a visão científica e artística da sociedade bem pensante como se fosse um saco insuportável, que eu deveria, no entanto, aceitar como um óleo de rícino indispensável, pra não cair na baboseira juvenil da turma mais boa vida dos colegas de Pinóquio. Então, a aceitação da visão científica e artística bem pensante, se adotada de uma maneira propositadamente exagerada –o humor de segundo grau! –, foi pra mim a porta escapatória que descobri na Pataphysica do Doutor Faustroll!…

FM | Como viste, mandei uma pergunta única, quase seca, direta, porém ajustando a agulha de nossa conversa, onde o Norte deve plantar bem o mirante de onde desfrutará a tecelagem do horizonte e os eflúvios dos outros pontos cardeais. Até lembraria aqui outro célebre patafísico, Vicente Huidobro, ao dizer que os quatro pontos cardeais são três: norte e sul.

ZS | Floriano, eu achei que foi justamente tua pergunta única e direta a melhor possível, e reforçou minha ideia de um pasquim. Acho que devemos cortar a parte ficção-teatro, e deixarmos só a parte do nosso Pasquim Nanico Louco… a ficção afrouxa a parte-entrevista, porque os personagens não responsabilizam diretamente o autor (sobretudo se forem dois autores… o-ro-rooo…) que sempre pode sair pela tangente dizendo que o que diz o personagem não representa necessariamente o pensamento do autor. Ou seja, a ficção é um sabão de Pilatos. As nossas entrevistas me parecem ter muito maior impacto porque estamos então de trapezistas sem rede. Toda a recepção que tive de nossos trabalhos sempre se interessava – exclusivamente – pela parte-entrevista. Sugiro então passarmos da mesa volante ficcional do Dok. Kardoff pras entrevistas-piranhas do Nanico Louco. Creio que devemos manter um estilo-jornal dos bons tempos em que havia Sátira. Aliás, o Pasquim, de Millor e Jaguar, foi o último pasquim, realmente autêntico. Mas como se especializou no feroz ataque ao Regime Militar… quando este acabou… o Pasquim, sem ter a quem morder… acabou.

BIDÊ KALÇÃO | Não cortem o teatro, não, não cortem. O plano era apenas o de servir como introito ao diálogo entre vocês. Não esqueçam que, assim como o Iluminismo é uma Baleia, a Ficção é o Sabão de Pilatos. Deem calças frouxas às pernas longas… Tomem conta da casa… Deixamos uns quitutes sobre a mesa e um barril do melhor vinho da casa…

ZS | Muito grato, Bidê Kalção!… Jamais cortaremos o nosso teatro. Vocês são uma trupe formidável, verdadeiros… Plek-Plek-Plek!!! (estalo os dedos) Plek-Plek-Plek-Plek!!! Como é mesmo o nome daquele pássaro? Uutau?… Pássaro-Lyra?… Não!!! que renasce… que renasce…

BIDÊ KALÇÃO |… da própria bosta?… é a… Hyena!…

ZS | A hyena não é pássaro, Bidê!… É um mamífero… mas não renasce da própria bosta. A Hyena…

BIDÊ KALÇÃO | …come a própria bosta. Come, se lambuza e… gargalha… AH-RA-RA-RAAAAAAAAAAA
  
ZS | Exato, Bidê!… Mas só em caso de emergência. Todavia, eu me referia ao pássaro!…

BIDÊ KALÇÃO | …o Condor?… Voando sobre o Titicaca e o Cocopateplek!…

ZS | Mais ou menos, Bidê… Mas enfim vamos ficando por aí… Gratíssimo pelo magnífico introito. De qualquer modo, em que pesem minhas ranzinzas de velho, nosso teatro é como… Plek-Plek-Plek…

FM | Pensei logo no cenzontle, o imitador-poliglota, o pássaro dos mil cantos, que aqui nos caberia melhor. Até por evocação ao inesgotável princípio de todas as coisas que aqui nos leva de volta aos campos magnéticos da criação e da formação do caráter do criador. Também confesso, já na adolescência, a minha atração por uma “ciência das soluções imaginárias e das leis que regulam as exceções”, não necessariamente a Patafísica, então por mim desconhecida, porém intuída, de algum modo, na rejeição às formas e métodos com que o mundo ao meu redor se impunha. A memória hoje evidencia o quanto a sátira – e sempre irmanada na anarquia e do absurdo – me foi um guia revelador.  Em meu caso, bem cedo se revelou uma técnica que sigo utilizando, a do deslocamento, a retirada de um objeto ou de um princípio, de seu ambiente natural, tratando de encaixá-lo em outro habitat, a ver que reação produz.

ZS | Realmente, você intuiu a própria Patafísica. A Patafísica é uma disfarçada sátira do mundo científico-moral burguês, feita em forma de apoio a este mesmo mundo racional circunspecto. O perigo da sátira é que o artista tenha um ideário pronto na cabeça, quando a sátira passa a ser um veículo de propaganda virtual da ideologia do artista. Mas a sátira é por si mesma insubornável, e se for forte, ela saberá enganar o próprio autor. Na Rússia, após implantada a arte realista proletária, os artistas sérios deveriam se dedicar a uma arte devocional extremada… com Stalin de fardão branco fumando cachimbo rodeado de crianças… e no final do ciclo, o Brejnev, de fardão militar, no front, ao crepúsculo na floresta, lendo um livro do Lênin… Enquanto isso, os caricaturistas, não tendo de fazer loas ao Grande Chefe, nem ao Partido, se deliciavam em sátiras furiosas engraçadíssimas contra os nazistas e o capitalismo, com toda a liberdade pra lascarem o malho nos inimigos sem a menor cerimônia… e nos deixaram assim o melhor da Arte Bolchevique, ao dar vazão a toda uma fúria libertária, sempre contra os inimigos de guerra, mas certamente, inconscientemente (ou secretamente consciente), contra a própria ditadura soviética. Os secretamente conscientes acabavam sendo flagrados e eram fuzilados ou despachados pra Sibéria.

FM | Hitler roubou a cena da época, de tal modo que, mesmo sendo o seu o menor saldo genocida, ficou na memória como sendo a mais nefasta criatura que o mundo já produziu. Até mesmo a sátira teve a perna passada, de modo que jabuticabas floriram num colossal tamarindeiro. A época toda foi de uma artimanha impagável, com o Pai Goebbels distribuindo manuais de ilusionismo por todo o Ocidente. Até hoje a nossa moeda de troca existencial tem as duas faces iguais, o que facilita o comércio e dá plena circulação à hipocrisia. Em meio a tudo isto, como ias apontando os teus lápis?

ZS | Participei ativamente da Guerra, desenhando batalhas aéreas e navais, bombardeios, naufrágios, traiçoeiros submarinos… e curtindo os anúncios da enfermeira Rhódis, que trazia os peitões na bandeja, entre os remédios fortificantes para os soldados feridos. Havia também uma HQ do Capitão Terry na guerra do Pacífico, onde por vezes aparecia a fatal Madame Tokyo, gostosíssima, em seus colantes vestidos de seda, com ousado decote… ela cantava de voz rouca  e falava pelo rádio com os pilotos americanos… dizendo… “e tua esposa, bela e fascinante, sozinha na América?… em noites de lua cheia?… e tu aqui, morrendo à toa, meu amor…”

FM | Uma delícia, a fala insultante de Madame Tokyo. Enquanto eu crescia a guerra já havia desmontado seu curtume internacionalista quase romântico – que tantos filmes deu ao mundo – e passara a dedicar-se à ocupação estratégica de laboratórios químicos e galões de petróleo. As Graphic Novels se mudaram para o espaço sideral e a comarca delirante dos super-heróis. Também o sexo perdeu sua vazante de sedução reveladora e tornou-se o mais vulgar e dilacerador de todos os comércios. Madame Tokyo hoje não assinaria contrato em nenhum escritório da pastelaria das diversões eletrônicas.

ZS | Na linha erótica dos comics do entre-guerras, anteriores a Madame Tokyo, gosto muito da Betty Boop, com um desenho magnífico, em contrastes de campos de preto-e-branco, recurso aliás também utilizado pelo Gato Félix. A Betty e Félix têm grande semelhança física, parecem irmãos… A manha inocentinha da Betty Boop me lançava em fúrias de volúpia, na minha longínqua infância. Hoje acho que o Gato Félix sacou a técnica do contraste preto-e-branco da Betty Boop, e me pergunto se não haveria um erotismo oculto?… Todo gato é meio safado…

FM | Uma das grandes maravilhas de minha infância, premiada com a chegada da TV no Brasil, foi justamente o Gato Félix, do qual voltarei a falar. Atarraxando o assunto anterior, bem antes do Pai Goebbels, outra figura tutelar, o apóstolo Paulo, intuiu que a Verdade só se realiza na Fé, de modo que o fundamental não é a Verdade e sim a Fé. A sabedoria popular equacionou o assunto: água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Dois mil anos de fraude astuta até que a arte adota a premissa de que a mesma, para ser crível, necessita se basear em fatos reais. A nova Verdade abomina a imaginação. Indistintamente igrejas, farmácias e agências de viagem são notórias lavanderias de dinheiro, assim como agências de modelo e cursos de dramatização se especializaram no negócio camuflado de pedofilias e prostituições. A analogia entre Verdade e Fé cria um afluente no binômio Crime e Fachada.

ZS | Questão de fé demais ou fede menos. É preciso a Verdade pra arrolhar a Imaginação. As bruxas fedem demais, vão pra fogueira. O arrependido será lavado com sabão Araxá (mas sem a estampa das Três Gordas)  e logo… axará a Fé no Mercado Global. Todos os sexos são iguais perante a Lei, o primeiro, o segundo e o terceiro. O quarto e o quinto ainda estão sendo examinados pelas autoridades competentes civis, militares e religiosas.

FM | São sexos jovens, inscritos no provão do Ministério dos Tamancos Aguados. Curioso como os corpos celestes definham submissos aos caprichos do Tempo & Espaço, a dupla sibilina do Araxá. Pracabá com isso somente os comícios da Fé. A inquilina suspeita nas feiras de inutilidade pública. A freira pornográfica. A cafetina assexuada. Quem chegou ao episódio 69 de Felix the Cat descobriu que só a loucura contabilizará ganhos dentro e fora dos tabuleiros. Mas Zuca, chegaste a jogar xadrez com o Dr. Faustroll?

ZS | Sim, joguei xadrez com Doutor Fautroll que guardou seu Rei no bolso, e me disse: "Pois é, Zuca, fora do tabuleiro, meu Rei não poderá sofrer cheque mate”.

O tabuleiro se fecha automaticamente. Os peões, sempre desprevenidos, escorrem pelas brechas. Não fossem os cavalos do Rei as torres teriam desabado sobre os bispos. Ainda era possível ouvir a Rainha solfejando a ária final de Manon Lescaut. Também a plateia, boquiaberta, escorria pelo ralo. Quando a cortina cai, o cenário se mostra um deserto. Como a memória. Abandonada por todos.


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Os poetas ZUCA SARDAN e FLORIANO MARTINS escreveram a quatro mãos e publicaram os seguintes livros: O iluminismo é uma baleia (2016) e Farelos do Mytho – teatro de farsas (2017). Em 2018 a Sol Negro Edições publicará Teatro automático. Página ilustrada com obras de Paulo Aguinsky (Brasil), artista convidado desta edição.

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MANUEL MORA SERRANO | Algunas cotidianeidades ciudadanas



I | Un descenso en la escala de Benuá

Hasta ahora mis colaboraciones han girado en torno a la literatura y la política, especialmente, pero ahora, al alejarnos de esos temas, incurrimos quizás en el llamado descenso en la conversación, que allá en mi Pimentel, en tiempos en los que íbamos a los bares a comentar libros y a leer nuestros trabajos literarios, cuando estábamos más sumergidos, sobre todo en los días del Boom Latinoamericano, comentando La Casa Verde de Mario Vargas Llosa o El Castillo de Franz Kafka, por citar dos libros complejos, aunque eran de diversas épocas, los muchachos los leían entonces, y si alguno se distraía mirando a la calle y veía una buena hembra y quisiera contar alguna anécdota o simplemente señalarla para que desviáramos la mirada, Benigno Taveras Castro, El Benuá, llamaba a la concentración del tema diciendo: “Está descendiendo la conversación”,  de ahí, que todo bajón temático sea llamado así. En mi novela la Luisa lo señalo. Este artículo es un típico descenso en la escala del Benuá
Hoy vamos a hablar de cosas que pasan o por los menos las que nos pasan a algunos ciudadanos en estas metrópolis donde cada vez los campesinos-pueblerinos, por no decir nosotros los de “interior” vamos llegando a amar y reverenciar la soledad, la verdadera, la de vivir con algún animal (conmigo convive una gata) y la de apenas saludar a los vecinos o la de ignorar sus nombres, sencillamente porque yo soy de la número tanto y el de la qué sé yo, aunque como es vicio en mí, hablaremos de escritores, también, aunque tangencialmente.

II | Los hombres haciendo mandados

La vida moderna a pesar de nuestro descarado machismo, ha obligado a veces, que algunos como nosotros, seamos desde el principio de nuestro matrimonio, los que tomamos muy en serio hacer los mandados: Sabíamos de las compras diarias,  luego las semanales y mensuales (mientras algunos muy machos y muy tradicionales se burlaban de nosotros, no nos importó porque era para alimentar a  nuestra familia, además de satisfacer nuestros gustos culinarios).
No solo eso, sino que le cogimos gusto. Lo que más nos desconcierta en un almacén o un supermercado es no saber dónde están las cosas. Los administradores, aunque están conscientes de que ser marchante es saber eso, suelen trastornarnos cambiando secciones. Sé de asiduos que se han mudado a otro negocio. ¡Es tan bueno ir en su carrito sabiendo dónde están las cosas!. Lo que pasa es que cuando nos las mueven nos frustran. Los asiduos a diversos súpers adquirimos el vicio y a veces entramos solo para inspeccionar si hay mercancías nuevas o si trajeron las que se habían acabado. Nos convertimos en especialistas: Le llegamos a tener hasta cierto amor a algunos negocios.
Comenzamos como siempre, de a poquito en un país donde no había estos establecimientos. Poco a poco, de los mercadillos del pueblo y los almacenes y colmados fuimos ascendiendo de categoría, hecho que sucede de forma natural a medida que nuestras entradas son más productivas. Yo recuerdo cuando era estudiante que hubo el supermarket de Wimpy, aunque ahí nunca nos atrevimos a entrar. Pensábamos que eso era para los ricos y pasaríamos vergüenza. Para mí, aquel que instalaron en la Máximo Gómez donde ahora está El Nacional, y El Asturias en la 27 de Febrero y El Coloso en la Lope de Vega donde está un Pola actualmente, son las más lejanas referencias. Antes íbamos a los almacenes de españoles, con cierto señorío como La Casa Velásquez, o la que estaba en las Mercedes y luego en la avenida Mella adosada al Mercado Central que no sé si era Almacenes Nacional, sin contar los numerosos sitios aledaños y a los mercaditos como el de la calle Restauración donde ahora hay un parquecito frente a las ruinas.
Hasta no hace demasiado tiempo, había que viajar fuera del país, especialmente a Puerto Rico y New York para conseguir algunas cosas que hoy se encuentran hasta en un colmadito de barrio, por ejemplo, las pequeñas baterías para radios portátiles o un papel sanitario de calidad. Cuando inauguraron el citado de la Máximo Gómez, mi amigo Nelson Bruno me dijo: “Ya no tenemos nada que envidiarle a Puerto Rico”. ¿Y ahora, Nelson, antes y después de María?, ¿tenemos algo que  envidiar?
Este año de gracias del Señor del 2017 post crucifixión, nos encuentra curtidos en las labores domésticas y un poco perdidos en la gran cantidad de ofertas y oportunidades.
No tener una mujer ni una familia en la casa se imagina uno como la bendición mayor que pueda tener un escritor viejo, que lo único que espera es poder corregir y editar un montón de libros, concluir viejos proyectos o esperar la llegada de improviso de la musa ya sin fuerzas, medio turulata, negada al verso. Es cierto. Es una maravilla no tener distracciones, pero ¿quién nos quita la nostalgia de no tener aquel tormento, que ahora se nos antoja dulce y cuasi mágico de ver crecer una familia, de alguien que nos mantuviera limpio y ordenado todo alrededor  y más que nada: caliente y a su hora los manjares?
De pronto y para espanto de mis hijas y mis amigos, me niego a que venga alguien a barrer, suapear, quitar polvo, ordenar mis cosas, y poco o mal, debo hacerlo y lavar y planchar y cocinar. Eso no fuera lo peor sino tener la horrible sensación de que uno pueda amanecer tieso y vengan a saberlo a los varios días cuando ni siquiera puedan llevar el cadáver a incinerarlo como ha sido mi deseo.
Por suerte mis hijas me rescatan a veces, me llevan a restaurantes donde ni de paso había ido, a saborear manjares, o a los supermercados. Ellas para mi suerte, se prepararon bien y  trabajan, por eso pueden hacerlo. El resto del tiempo confiado en mi mala memoria y sin lista de compras me aventuro hacia los súpers o llamo al colmado cercano si necesito algo. Pero la farmacia, la comida mía y de la gata absorben tiempo y esfuerzos y ese no es todo el asunto, están  mis antojos de solitario y los encuentros con viejos amigos.
Curiosamente, encontré un día, muy apresurado y con una lista que le habían dado en su casa, a Tony Raful, perdido en medio de los pasillos, y con uno de los muchachos que empacan las compras de cicerone ayudándolo porque él no sabía dónde estaba ninguna cosa. Recientemente y para sorpresa mayúscula el encuentro fue con Federico Henríquez  Gratereaux,  que ya recuperado de su reciente enfermedad, según me cuenta, piensa volver a escribir. Como un caballero de ciudad, se excusó diciendo: Josefita no podía venir y aquí ando. Ambos, sin duda alguna, estaban haciendo los mandados y Federico sin cicerone, porque a veces acompañaba a su esposa y curioso al fin, sabía dónde estaban las cosas, pero me di cuenta que tomaba sin mucho miramiento de la lista lo que aparecía frente a él. A doña Josefita la había encontrado antes, y me di cuenta que era experta escogiendo, y comparados conmigo y con ella esos escritores eran unos amateurs. Yo, por de pronto voy y reviso, dejo y vuelvo a ver y revisar antes de llevarme los vegetales y hasta los panes integrales y hago como a veces mi comadre Luz, la viuda de Freddy Gatón que olía las latas de conservas, mientras él medio se burlaba, pero ahora con lo de la leptopirosis me doy cuenta de que tenía razón: Las miro también y las huelo.
De ese modo uno aprende muchas mañas. Como cuando hay muchas gentes en la zona de encurtidos y quesos, que tomamos un tiquet y nos vamos a seguir comprando, sabiendo que cuando termines en las góndolas que nos toquen, todavía no estará nuestro número en la pizarrita luminosa.
Pero el asunto no es ese solo. Los Supermercados tienen regularmente uno o varios bancos comerciales, dependiendo si están en una plaza o en un sitio amplio de ellos y como  hay pequeñas sucursales de ciertas empresas de servicios, podemos hacer una vida y varios mandados.


III | La vida capitaleña en el nuevo siglo

En cuanto a sitios de diversión, recuerdo que aquella agregada de la Embajada Española nos acusó no hace tanto tiempo, a fines del siglo pasado, de no ser una ciudad por la falta de diversidad de restaurantes. Que venga ahora, aunque quizás falten algunos, ya que el mundo es muy grande, encontrará donde escoger como en cualquier metrópolis que se respete.
En materia de diversiones, estábamos condenados a la calle El Conde. No solo a lo que había, sino a las añoranzas de las que hubo. Siempre oí hablar del mítico Gato Negro. A la terraza del Hollywood la llegué a ver, y asimismo El Ariete y El Moroco. Fui asiduo de El Mario y del Moroquito. Recuerdo El Jaialai, y los que estaban en los alrededores del parque Independencia, El Acordeón, culminando con Men El Chino,
Naturalmente, cuando venía semanalmente a mis asuntos profesionales, y a desintoxicarme de pueblo al sentir el sabor de la ciudad, me hospedaba en el Victoria o en El Comercial, en este último era obligatorio ir a comer lo que ofrecía Juan Chea, cuyo menú principal, sin embargo no era la sopa tártara que gustaba a Luis Alfredo Torres o los vinos a tres y cinco pesos la botella,  era el selecto grupo de intelectuales, artistas y escritores que concurría. Luego, una parada en Helados Imperiales o en La Bombonera, y claro, en La Cafetera, que es lo único que queda en pie. Los tragos cortos y largos en El Panamericano y El Roxy donde era obligatorio conversar con poetas y artistas. Un día encontré a un muchacho de mi pueblo que se daba el gusto, siendo apenas mensajero de una oficina, tomando lentamente una cerveza en el Roxy, que me dijo: “Hay que dejarse de pendejadas, poder sentarse aquí a ver mujeres pasando vale más de cien pesos”.
Estaban las grandes tiendas y el reguerete de farmacias que fueron despareciendo. Hoy  no quedan de esos tiempos y hasta las grandes ferreterías desaparecieron o han sido sustituidas.
Deambulo por la Zona Colonial, pero casi nunca topo con alguien interesante con quien hablar o a quien brindarle una copa de vino para charlar sobre literatura. Es más, no encuentro a nadie que no sean algunos limosneros y viejos bohemios que me llame por mi nombre. Antes conocía a casi todos los que encontraba y estos me llamaban por mi nombre, a veces completo, como si fuera un verso (realmente es uno clásico, el que Juan Bosch decía que era el típico del habla del dominicano: Tiene 8 sílabas, el ritmo del merengue y la décima: Manuel María Mora o el aristocrático de siete en Manuel Mora Serrano).

IV | La mágica ciudad de los tragos y la comida

No en todos los supermercados aunque tengan espacios para comer, puede uno beber unas copas de vino. Pero los hay, unos que cobran el descorche y uno nuevo relativamente, el Súper Fresh donde pagas la botella al precio de la tramería y te dan copas y puedes pasarte el rato conversando y comiendo, si apeteces. No sé, cómo, frente al éxito de este, los otros no han cambiado, en un país donde somos tan monos.
Hay muchas ofertas de chinos, de comida rápida, llamada justamente a veces, chatarra; de antiguos y nuevos lugares. Las casas importadoras tienen elegantes lugares para probar sus productos y “picar”. Esas grandes plazas de las avenidas Winston Churchill, Kennedy y San Martín (héroes y personajes no dominicanos), se han convertido en los verdaderos lugares de diversión capitalina. Hay uno nuevo en un sector popular que ha permitido que los lugareños encuentren donde pasear y disfrutar, no solo comprando en las diversas tiendas y negocios, sino disfrutando de bebidas y comidas a precios asequibles.
A falta de parques donde pasar el rato por temor a los delincuentes, estos y otros sitios en la ciudad se han convertido en los lugares públicos más concurridos.
En especial los de la avenida Kennedy suelen llenarse de unas gentes que antes no iban a ningún sitio céntrico. Me place ver obreros y trabajadores con sus familias, limpios, aseados y felices, compartiendo con otros de igual a igual.
Esa democracia asumida por el pueblo, no inventada por la propaganda, ha permitido que en medio de la incertidumbre por la delincuencia omnipresente en sus barriadas, hayan encontrado un escape protegido y decente donde se sienten como en cualquier lugar del extranjero. Poco a poco, he visto hasta haitianos pobres con sus familias disfrutando a la par. Regularmente, de los diversos grupos de inmigrantes, estos eran los más reacios a ir a sitios públicos, pero poco a poco, sea que su nivel de vida ha mejorado, acuden, no en masa todavía, pero sí con cierta asiduidad.
A veces hago un recorrido por estas plazas sin ir a comprar sino solo a ver, a tomarle el pulso al país. Los sábados hay mercaditos de productos orgánicos en algunas plazas.
Realmente este es otro país. Los que hemos vivido hasta esta cuarta edad y la hemos disfrutado y padecido, no hemos tenido sino que adaptarnos, ya que como dice el pueblo: “No hay de otra”.
Aunque solo he mencionado el nombre de un supermercado actual; lo hice por ese hecho que atrae y mantiene una clientela nueva y elegante. Sin olvidar que los importadores de vinos tienen agradables sitios donde degustarlos y hay otros no muy sofisticados ni muy caros donde se puede pasar un buen momento y hablamos del Piantini y el Naco, especialmente.
Y hay una modalidad nueva: Muchas casas de familia en sitios de gente bien, tienen excelentes restaurantes. Incluso hay uno donde la hija de los dueños, aún una niña formándose,  ha tenido fantasías culinarias y muchas de las mejores cosas que allí se comen han sido ideas suyas. Ojalá persista en esta vocación y tengamos la próxima chef que nos lleve tan alto como un Óscar de la Renta, el dominicano más conocido en el mundo. Solo diré que está en el Reparto Arboleda de Naco.
En Gascue también hay un sitio familiar atendido por los dueños, donde comimos un cerdo horneado y unos pollos que nada tienen que envidiar. Solo diré que fue en la calle Santiago.
En fin, cuando viajo a otros países, especialmente a algunos Estados americanos, les voy a decir una cosa: Añoro mi país y sus gentes. Añoro, sobre todo, mis queridos supermercados y esos rincones bohemios donde he pasado los mejores momentos de mi vida.
Por algo, no por nada, somos ahora mismo el país que tiene más inmigrantes, no solo de vecinos… a pesar de los pesares.


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MANUEL MORA SERRANO (República Dominicana, 1933). Poeta, romancista e ensaísta.  Página ilustrada com obras de Paulo Aguinsky (Brasil), artista convidado desta edição.

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Agulha Revista de Cultura
Número 105 | Dezembro de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
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