terça-feira, 4 de julho de 2017

AGULHA REVISTA DE CULTURA # 99 | Junho de 2017 | Editorial


● A pronúncia esquecida da realidade

Estamos à véspera de nossa edição # 100. Este mês aproveitaremos para reorganizar o acesso geral aos números mais recentes. Planejamos ainda a criação de uma página com nosso índice geral, não apenas o primeiro cento de maravilhas, como também as edições paralelas que tratamos por séries especiais, os catálogos dos selos ARC Edições e Sol Negro Edições. Com a ruína da política, o fracasso da arte e a debacle da economia, aproveitamos nosso editorial para reproduzir uma resenha de Lúcio Carvalho dedicada ao livro Democracia tropical, de Fernando Gabeira. Lúcio Carvalho é autor de A aposta, Inclusão em pauta, Duas chaves para Antônio e do blog Em Meia Palavra. Tem atuado como editor e articulista em revistas culturais, portais, agências de notícias e veículos de imprensa. Escreve ficção, poesia e crítica literária. E-mail: lucioscjr@uol.com.br. Esta resenha foi publicada na revista Amálgama (https://www.revistaamalgama.com.br/), dirigida por Daniel Lopes, a quem agradecemos pela autorização de sua reprodução, à qual acrescentamos uma breve nota final. 

***

LÚCIO CARVALHO | A democratização e o impeachment por Fernando Gabeira

O lado bom de resenhar um autor muito conhecido é que qualquer apresentação da pessoa é desnecessária e pode-se passar diretamente à obra em questão. Este é justamente o caso de Fernando Gabeira e seu novo Democracia tropical. O livro, que reúne a recente crônica política publicada por Gabeira na imprensa brasileira e o seu caderno de notas, é o décimo segundo do jornalista, ativista e ex-deputado federal.
Tomando como pontos de inflexão a redemocratização a partir da anistia, em 1979, e o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, Gabeira unifica a reflexão de quem viveu a luta armada e o combate à ditadura militar e o desfecho político do processo de consolidação da alternativa de esquerda no poder. Uma vantagem, se é que se pode chamá-la assim, de Democracia tropical em relação aos recentes lançamentos editoriais sobre o impedimento de Dilma, é o fato de que suas análises estão calcadas no trabalho jornalístico e na observação dos fatos no calor dos acontecimentos. Quer dizer, não se trata de um trabalho que visa justificar quaisquer condutas políticas, mas tão simplesmente esmiuçá-las como quem examina o tempo presente e seus atores, tão bem conhecidos dele mesmo pelo tempo em que esteve envolvido na política partidária e por ser um cronista das desventuras do poder no Brasil desde, pelo menos, meio século.
O livro poderia ser tranquilamente dado como pessimista, e isso não porque ele faça previsões tenebrosas a respeito do futuro político brasileiro, mas por ter podido confirmar as piores expectativas que vêm sendo reveladas nos últimos anos. Para o autor, a dinâmica democrática foi colocada em risco justamente porque o projeto de esquerda tornou-se nominal e apartou a política do social, configurando-se por moldar-se rapidamente aos principais núcleos de corrupção existentes. A corrupção, segundo Gabeira, é tanto o elemento de aglutinação de uma política deteriorada quanto o fenômeno pelo qual a sociedade pode depurar-se, caso aceite enfrentá-la sem reservas e exceções.
Em linhas gerais, isto é o que mais importa dizer a respeito do livro, mas ainda há mais, porque o seu texto, diferentemente da historiografia acadêmica ou da ciência política, está mais amparado na experiência do que na coleta de impressões ou na organização de fatos isolados. Além disso, Gabeira empresta à análise dos fenômenos políticos recentes a profundidade que falta aos trabalhos, digamos, hagiográficos que têm por efeito enaltecer o heroísmo da classe política e de seus exemplares. Pelo contrário, a história que Gabeira constrói não é narrada, mas flagrada nos sucessivos tropeços e muitos passos atrás que os projetos políticos costumam dar no Brasil, sejam protagonizados pelo PT, PMDB ou PSDB, partidos que dominaram o cenário nacional nas últimas décadas e cujas figuras máximas reuniram-se melancolicamente, em tempos recentes, na posição de investigados da operação Lava Jato.
Melancolia e não heroísmo, portanto, é o substrato das crônicas de Gabeira. Poderia ser enquadrado até como peça trágica, pois afinal não se trata de uma obra de ficção. A tragédia do real, apesar de tudo o que se diga a seu respeito, é a de sempre fazer-se sentir na vida mais imediata das pessoas e também na credibilidade das instituições democráticas. Contra o sentimento generalizado de falência e de embretamento, Gabeira consegue ser por ele mesmo alentador, já que não está nem nunca esteve conformado pela “governabilidade” e, ainda que não seja nem pleiteie ser um entreposto da unanimidade, é dos raros jornalistas que procuram manter uma visão límpida da história política e dos acontecimentos recentes. Para quem pensa ainda nos termos de “nós contra eles” ou outras dicotomias igualmente simplórias, talvez seja bastante difícil ou forçoso localizar nele qualquer traço de identificação ideológica. Isso importa pouco, porque de quem foi compelido a limpar de e em si mesmo os vestígios e ranços a que tantos se apegam como se conteúdo fosse, apenas se deveria exigir clareza e tranquilidade, e isso é o que não falta nas análises e registros do seu livro.

***

Esqueçamos o bolsão putrefato e viciado da política. Continuemos produzindo. A arte não deve, em circunstância alguma, depender do Estado. Sobretudo quando se trata de um Estado famigerado e corrupto como é o brasileiro. Chega de queimar energia com a hipocrisia política e midiática. A ralé do oportunismo não deve chegar-se a nós como um encosto. Vamos dar um chega pra lá e seguir trabalhando. Pode até ser que as novas gerações não aprendam nada acerca das relações impossíveis entre Arte e Política. Cabe, a cada um de nós, emborcar o recipiente fecal da política. Nenhuma bala. Nenhuma vociferação. Esquecer as hóstias carcomidas do mercado de artes. Parir apenas o essencial. Recriar a vida sem deixar-se dominar pelos fantasmas guardiões da fama e da conta bancária. Acima de tudo viver, e deixar que a arte seja o reflexo de nossa liberdade absoluta.

Os Editores

***

● ÍNDICE

ALICIA LLARENA | Agustín Espinosa: Lancelot 28º - 7º

CARLOS OLIVA MENDOZA | Erotismo, pornografía y felicidad

ESTER FRIDMAN | Quer a humanidade ser livre?

FLORIANO MARTINS | Valdir Rocha e o mito transfigurado

GABRIEL JIMÉNEZ EMÁN | Leonora Carrington y surrealismo novelado, por Elena Poniatowska

JORGE ANTHONIO E SILVA | A poética na esquizofrenia

MARIA LÚCIA DAL FARRA | Gilka Machado, a maldita

PEGGY VON MAYER | Volver la mirada a Ninfa Santos

RIMA DE VALLBONA | Indicios matriarcales en las comunidades chorotegas

SOFÍA RODRÍGUEZ FERNÁNDEZ | Homenaje a Max Rojas

ARTISTA CONVIDADA | TITA DO RÊGO SILVA | VIVIANE DE SANTANA PAULO | Tita do Rêgo Silva e o mundo fantástico, faceiro e colorido da xilogravura


*****

Página ilustrada com obras de Tita do Rêgo Silva (Brasil), artista convidada desta edição.

*****

Agulha Revista de Cultura
Número 99 | Junho de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista
os editores não se responsabilizam pela devolução de material não solicitado
todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80






VIVIANE DE SANTANA PAULO | Tita do Rêgo Silva e o mundo fantástico, faceiro e colorido da xilogravura


Os seres antropomórficos que habitam o universo de Tita do Rêgo Silva chamam a atenção não só pelo movimento concedido à imagem, reforçado pelas pernas longas e finas, mas a alegria e a descontração das figuras e o uso de cores fortes caracterizam sua obra. A primeira impressão adquirida é a de uma ilustração de um conto infantil ou a série de figuras parece contar ela própria suas histórias. Nascida em 1959, em Caxias, no Maranhão, e formada em artes plásticas na universidade de Brasília, Tita do Rêgo Silva vive em Hamburgo desde 1988. Trata-se de uma artista reconhecida, que no percurso de suas experiências estéticas adquiriu um estilo singular, desvencilhando-se da arte europeia e buscando a fonte de inspiração em suas próprias raízes. As técnicas múltiplas utilizadas na xilogravura abriram-lhe espaço para o experimento e a criação com diversos motivos extraídos da cultura brasileira.
Para aqueles que escolhem explorar suas origens culturais, segundo a maranhense: “no Brasil precisa-se ter muita coragem para o artista não ser encarado como um etno-artista, isto é, artesanal, folclórico. A brasilidade não é vista como arte no Brasil”. A partir de tal afirmação, somos imediatamente remetidos à concepção ideológica do Movimento Modernista e à Semana de 22 e nos indagamos onde estariam os ecos desse movimento que foi um marco na história da arte brasileira. O Movimento Modernista propagava justamente a ideia de aproveitar tudo o que era proveniente do estrangeiro e adaptá-lo às raízes nacionais. Assim surgiu pela primeira vez o destaque para tudo o que era brasileiro, à miscigenação das raças, à natureza, ao folclore, ao índio, ao negro, ao caboclo do campo, à culinária e assim por diante. Até que ponto a ideologia antropofágica de Oswald de Andrade estendeu-se à arte de hoje é um tema interessante de ser analisado profundamente, no entanto, não o faremos nesse ensaio, levantaremos apenas alguns aspectos relevantes a esse respeito.
Os artistas plásticos como Hélio Oiticica, Lygia Clark, Tunga, entre outros, pertencem à uma tendência vanguardista que mescla os elementos brasileiros em suas obras de forma intrínseca. A concepção representada na famosa instalação Tropicália de Hélio Oiticica exposta no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1967, estendeu-se na música, dando nome ao Movimento Tropicalismo, caracterizado pela contracultura, pelos valores diferentes daqueles que eram propagados na época, incluindo na música referências consideradas bregas, cafonas, ultrapassadas, de mau gosto. Na arte, Hélio Oiticica procurou atingir uma nova ideologia: “com a teoria da Nova Objetividade queria eu instituir e caracterizar um estado da arte brasileira de vanguarda, confrontando-o com os grandes momentos da arte mundial e objetivando um estado brasileiro da arte ou das manifestações a ela relacionadas… No início do texto sobre Nova Objetividade, invoco Oswald de Andrade e o sentido da Antropofagia como um elemento importante nesta tentativa de caracterização nacional. Tropicália é a primeira tentativa consciente, objetiva, de impor uma imagem obviamente “brasileira” ao contexto atual da vanguarda e das manifestações em geral da arte nacional.” (artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, Folhetim, São Paulo, 8 de janeiro de 1984). A Tropicália e a Nova Objetividade de Oiticica poderiam ser encaradas como uma extensão do Movimento Modernista, diferenciadas pelas formas de expressão distintas adotadas pelo próprio Oiticica e pelos artistas Clark e Tunga, que exploraram suas manifestações estéticas através da instalação, isto é, do objeto e do ambiental.
É verdade que “o produto artístico é sempre fruto também da herança que nós recebemos do trabalho estético feito pelos nossos predecessores e esse trabalho estético não se coloca simplesmente apenas no campo do nacional” (Haroldo de Campos, Asa Delta para o Êxtase, em Hélio Oiticica e Lygia Clark, Funarte, RJ, 1987). Sendo assim, normalmente, a arte é uma mescla das influências exercidas pelas tendências internacionais interagidas na vivência cultural do artista. No decorrer da história da arte brasileira, são muitos os artistas que conseguiram desenvolver um trabalho autêntico, sem deixar de incluir suas experiências e influências estéticas vividas e adquiridas em seu país, como Sérgio Camargo, Iberê Camargo, Amílcar de Castro, Eduard Sued, Waltércio… para mencionar alguns nomes.
Observamos que a questão de trabalhar as origens não é exclusiva dos artistas brasileiros, é bem provável que artistas de outras culturas não-europeias e norte-americanas possuam este dilema: como integrar as raízes na arte moderna de forma que não caíam no folclórico? Provavelmente, não apenas no Brasil é necessário coragem para seguir um caminho que entrelace as raízes culturais com as tendências internacionais ditadas pela Europa e pelos Estados Unidos, livrando-se da classificação “exótico” ou "folclórico". Para inserir-se no panteão dos artistas bem reconhecidos, desprovidos dessas etiquetas é necessário seguir um caminho arriscado ou entregar-se de vez à arte europeia ou norte-americana e a seus  mandamentos de originalidade, correndo o risco da perda de autenticidade. Por outro lado, é verdade que a maioria de nossas raízes está arraigada na Europa, significa que, muitas coisas consideradas tipicamente brasileiras têm origem europeia, o que veremos no decorrer desse ensaio.
A originalidade na obra de Tita do Rêgo Silva reside em sua autenticidade, as fontes europeias não lhe oferecem mais nada de novo, é  no reconhecimento de sua identidade e de suas raízes culturais que o novo abrolha e floresce. Tita desistiu cedo de criar uma arte exclusivamente europeia e voltou-se à tradição cultivada em sua região natal: a xilografia, muito propagada através da literatura de cordel. Dessa forma, sua obra desperta a curiosidade não só do observador estrangeiro, curioso em conhecer outra cultura, um novo mundo, mas também a curiosidade do próprio brasileiro que pouco conhece de sua própria cultura. Embora, Tita não tenha procurado transpor em seu trabalho as características das ilustrações empregadas na literatura de cordel e essa influência tenha ocorrido de forma inconsciente, para entendermos seu universo criativo, necessitamos de conhecer mais profundamente os “folhetos de feira”.

Um cabra de Antônio Silvino
Por nome de Zelação
Morto há 24 anos
Contou um drama moderno
Dizendo que o inferno
Estava em revolução
Foi quem trouxe o ocorrido
Desta tenebrosa cena
Dizendo, lá no inferno
Ninguém termina a quinzena
Há grande revolução
Tem morrido tanto cão
Que quem ouvir contar faz pena

[João José da Silva]

Os “folhetos de cordel” brasileiros têm a sua origem na chamada literatura de cordel portuguesa, no final do século XIX, e já existiam na Espanha e França. Portanto, trata-se de uma tradição brasileira de origem europeia, mas deglutida pela cultura brasileira, mais especificamente a norte e nordestina, e hoje em dia a literatura de cordel tornou-se um gênero típico dessas regiões. Segundo as pesquisas da professora de literatura brasileira da universidade da Paraíba, Francisca Neuma Fechine Borges, esse tipo de literatura encontra-se quase extinta na Europa, sendo cultivada apenas por alguns colecionadores. Ela divide os folhetos de cordel brasileiros em três grandes grupos: os que versam sobre temas antiquíssimos herdados da tradição ocidental ou oriental; e aqueles cujos relatos estão mais diretamente relacionados com o contexto brasileiro e com características basicamente nordestinas.
Outro especialista, Américo Pellegrini Filho, professor de Patrimônio Natural, Cultural e Folclore da universidade de São Paulo, fala-nos sobre as várias classificações referentes à temática, isto é, das narrativas poéticas tradicionais, das ficções sobre temas de amor, humor, aventura, vingança, santos e diabos, entre outros, até do denominado “cordel circunstancial”, da narrativa poética de caráter jornalístico que abrange temas políticos e sócio-políticos como o suicídio de Getúlio Vargas, o fracasso de Collor de Melo, a renúncia de Jânio Quadros ou sobre os posseiros do Maranhão, sobre o Pelé na Copa do Mundo ou o preço alto da gasolina e etc., essa espécie de literatura de cordel também era chamada de “folheto da época”.
Os “livretos populares” ainda existem, geralmente escritos com rimas em redondilha maior ou sextilha,  e continuam mantendo as características originais,  são basicamente ilustrados pela xilogravura, mas também pelo desenho, clichê, pela fotografia ou gravura em borracha. A maioria das ilustrações é em branco e preto, sendo raras as ilustrações em cores.

Vamos tratar da chegada
quando Lampião bateu
um moleque ainda moço
no portão apareceu.
- Quem é você, Cavalheiro –
- Moleque, sou cangaceiro –
Lampião lhe respondeu.
- Não senhor - Satanás, disse
vá dizer que vá embora
só me chega gente ruim
eu ando muito caipora
e já estou com vontade
de mandar mais da metade
dos que tem aqui pra fora.
Moleque não, sou vigia
e não sou o seu parceiro
e você aqui não entra
sem dizer quem é primeiro
- Moleque, abra o portão
saiba que sou Lampião
assombro do mundo inteiro.

[José Pacheco da Rocha, 1890-1954]

A técnica chinesa da xilogravura era usada na Europa basicamente para ilustração de livros. O artista e ilustrador francês, Gustave Doré (1832-1883) ficou famoso com as ilustrações para os clássicos da literatura mundial, A Divina Comédia e Dom Quixote. Posteriormente, a xilogravura alcançou outra dimensão na Europa com o pintor alemão Albrecht Dürer (1471-1528), que passou a usar a xilogravura como expressão artística independente do livro. No Expressionismo (1900-1925), com o grupo de artistas alemães "Die Brücke", a xilogravura e a litogravura alcançaram um espaço muito significativo nas obras de Ernst Ludwig Kirchner, Karl Schmidt-Rottluff, Felix Vallotton, Max Pechstein e Erich Henkel. A artista Käthe Kollwitz sobressaiu-se através de suas belas e polêmicas gravuras sobre a miséria humana no holocausto, foi a expressividade de suas obras que impeliu Lívio Abramo a dedicar-se à gravura intensivamente. Quando Lasar Segall chegou ao Brasil, em 1912, trazia as influências do Expressionismo a serem pregadas no Modernismo brasileiro. Contudo, a xilografia, tão explorada no Expressionismo, não adquiriu grande destaque no nosso país, embora alguns artistas do Modernismo, como Tarsila do Amaral, Portinari e o próprio Lasar Segall tenham se aventurado nesse gênero. Mas a influência do Expressionismo alemão na gravura brasileira foi profícua; a partir de então, os gravadores Oswald Goeldi (1895-1961) e Lívio Abramo (1903-1992 ) inseriram a gravura na história da arte no Brasil e tornaram-se mestres clássicos dessa técnica. Vale a pena mencionar que os primórdios da gravura brasileira encontram-se ligados aos nomes de Carlos Oswald (1882-1971) e Raimundo Cela (1890-1954). Das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo encontraremos outros artistas que também se expressaram nesse campo, como Evandro Carlos Jardim, Fayga Ostrower, Sérvulo Esmeraldo, Ivan Serpa, Ademir Martins, Renina Katz, Anna Letycia, Marcelo Grassmann e outros. O Clube de Gravura de Porto Alegre, fundado por volta de 1948, exerceu importante papel na história da gravura no Brasil e os nomes de Carlos Scliar, Vasco Prado, Glauco Rodrigues e Danúbio Gonçalves, entre outros, sobressaíram-se pelos fundamentos de uma identidade nacional nesse gênero. Na gravura de cordel, chamam a atenção os nomes de José Francisco Borges, Erivaldo Ferreira da Silva, Marcelo Alves Soares, José Costa Leite, Abraão Batista, e outros. Sobretudo o pernambucano José Francisco Borges (1935), conhecido como J. Borges, é o mais destacado com exposição em várias partes do mundo, principalmente na Europa.

Visitando Deus a Adão no Paraíso
achou-o triste por viver no abandono,
fê-lo dormir logo um pesado sono
e lhe arrancou uma costela, de improviso
estando fresca ficou Deus indeciso
e a pôs ao Sol para secar um momento
mas por causa, talvez dum esquecimento
chegou um cachorro e a carregou,
nessa hora furioso Deus ficou
com a grande ousadia do animal
que lhe furtara o bom material
feito para a construção da mulher,
estou certo, acredite quem quiser
eu não sou mentiroso nem vilão,
nessa hora correu Deus atrás do cão
e não podendo alcançar-lhe e dá-lhe cabo
cortou-lhe simplesmente o meio rabo
e enquanto Adão estava nas trevas
Deus pegou o rabo do cão e fez a Eva.  

[Professor Jaime Pedro Martelo, 1665-1727]

Tita do Rêgo Silva resgata a temática dos folhetos e a transporta para a arte de âmbito internacional, sua obra se diferencia da gravura de cordel quando passa a criar o seu próprio mundo imagético isolado do texto, aperfeiçoando os ornamentos que vão além do popular, do comum. Sendo assim, o inusitado em seu trabalho encontra-se nos detalhes das figuras, em suas formas alongadas, nas cores vivas e no múltiplo lirismo que a composição da imagem evoca. Esses traços distintivos tornaram grande o interesse pelas obras da artista no exterior, onde participou de diversas exposições em importantes museus e galerias espalhados na Alemanha, como o Museu Gutenberg, em Mainz, além das cidades de Hamburgo, Heidelberg e Koblenz. Outras exposições foram realizadas na Áustria e na Suíça. Em 2004, Tita do Rêgo Silva foi a artista convidada para a abertura do Fórum Cultural Mundial, em São Paulo, com a série de 30 gravuras de três metros de altura e setenta centímetros de comprimento, intitulada "Comitê de recepção". Ademais, a ilustração do conto, "Do recente milagre dos pássaros", de Jorge Amado, traduzido para o alemão, fez grande sucesso entre os colecionadores. O mesmo caminho seguiu o folheto transformado em livro, com os versos do cordelista João José da Silva, sobre os heróis nordestinos Lampião e Maria Bonita.
A jocosidade presente nos motivos é mais uma característica que aproxima sua obra da literatura de cordel. As figuras apresentam situações satíricas que poderiam ser ilustrações de títulos de folhetos, como estes: O homem que casou com a jumenta, de Olegário Fernandes da Silva, O rapaz que casou com uma porca no estado de Alagoas, de José Soares, História da razão dos cachorros chorarem o fiofó uns dos outros, de Abraão Batista ou A moça que bateu na mãe e virou cachorra, de Rodolfo, com a gravura de uma figura com corpo de cadela e cabeça de moça, ou O homem que virou bode, versos e ilustração de Dila. Assim como no cordel, o imaginário de Tita engendra uma realidade fantástica, dando enfoque às criaturas híbridas e aos animais excepcionais, aos monstros e aos seres inexistentes. Essas figuras são originárias das associações extraídas de sua infância, dos contos folclóricos narrados pelos adultos, das historinhas em quadrinhos, as quais lia muito quando era pequena, da sincretização das religiões católica e africana, da natureza exuberante cheia de cores vivas e bichos. Tita usa animais típicos de sua  região natal e da fauna brasileira como motivo, como o peixe, o tamanduá, o boi, o cabrito, o pássaro, o jacaré, o tatu, a formiga. A forma definida e inusitada deve-se ao alongamento das figuras que, incorporado à metamorfose, ao híbrido e à antropomorfia, enfatiza as situações descontraídas, integradas nos elementos da miscigenação de culturas, estabelecendo uma linguagem pueril na obra. Mas são os ornamentos criados de forma minuciosa que revelam a complexidade e o cuidado que excedem a simplicidade e popularidade da gravura empregada na literatura de cordel; além disso, a questão cromática, isto é, o vigor das cores selecionadas, individualiza o trabalho dessa artista. Nas imagens vemos animais com traços humanos andando de patins e segurando um guarda-chuva, um pássaro de chapéu, outro sentado segurando uma flor, uma vaquinha simpática com rodinhas ao invés das patas… como a gravura do painel, intitulado Contos de Infância, de setenta centímetros de altura e quarenta e quatro metros e meio de comprimento, que foi encomendado para decorar o muro de um grande hospital em Hamburgo.
O diabo, dono de um lugar especial nesse universo fantástico, não é interpretado por uma visão sinistra, aterradora, e sim pela inocência. O diabo aqui é aquele que aparece nas canções infantis ou no cotidiano das pessoas do campo, com suas expressões típicas e antigas crenças, expressões como “que o diabo te carregue”, “que o diabo te pegue” ou “vai pro diabo”. Consideremos que a figura do diabo é comum nos folhetos, significa que o diabo convive no dia-a-dia das pessoas do campo, "do homem comum", isto é, trata-se de uma figura popular. Da mesma forma, com relação aos demônios africanos a artista se distancia do funesto e do iníquo e sob os artifícios das cores, do gracejo, ressalta a força, o poder e o desconhecido na figura dos demônios. Os deuses africanos como Exu, Oxóssi, Xangô ou a rainha Iemanjá também se salientam nessa fusão de diferentes cultos religiosos. Tita do Rêgo Silva dedica-se ainda à instalação de altares, onde deixa mais evidente essa sincretização das religiões existente no Brasil e faz uma reinterpretação dos seus elementos, dos símbolos religiosos provenientes de diferentes crenças.
A dinâmica das figuras oferece ao admirador a condição necessária para a sua interpretação própria, assim as obras permanecem de preferências em título. Cada pessoa que ingressa nesse universo multifacetado, jocoso, de cores exuberantes e de originalidade, é seduzida pela animação, isto é, pelo movimento ou pela riqueza de detalhes, e está livre para criar ela mesma as associações com o seu mundo real.



*****

VIVIANE DE SANTANA PAULO (Brasil, 1966). Escritora e poeta. Publicou Passeio ao longo do Reno (2002). Contato: vsantana@brasemberlim.de. Página ilustrada com obras de Tita do Rêgo Silva (Brasil), artista convidada desta edição.

*****

● ÍNDICE # 99

EDITORIAL | A pronúncia esquecida da realidade

ALICIA LLARENA | Agustín Espinosa: Lancelot 28º - 7º

CARLOS OLIVA MENDOZA | Erotismo, pornografía y felicidad

ESTER FRIDMAN | Quer a humanidade ser livre?

FLORIANO MARTINS | Valdir Rocha e o mito transfigurado

GABRIEL JIMÉNEZ EMÁN | Leonora Carrington y surrealismo novelado, por Elena Poniatowska

JORGE ANTHONIO E SILVA | A poética na esquizofrenia

MARIA LÚCIA DAL FARRA | Gilka Machado, a maldita

PEGGY VON MAYER | Volver la mirada a Ninfa Santos

RIMA DE VALLBONA | Indicios matriarcales en las comunidades chorotegas

SOFÍA RODRÍGUEZ FERNÁNDEZ | Homenaje a Max Rojas

VIVIANE DE SANTANA PAULO | Tita do Rêgo Silva e o mundo fantástico, faceiro e colorido da xilogravura


*****

Agulha Revista de Cultura
Número 99 | Junho de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista
os editores não se responsabilizam pela devolução de material não solicitado
todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80







SOFÍA RODRÍGUEZ FERNÁNDEZ | Homenaje a Max Rojas


Max escribió en los setentas, dos libros sorprendentes: El turno del Aullante y Ser en la Sombra. Libros que lo convirtieron en un poeta de culto. El gran motor en la obra de Max, es la emoción, una de las cosas que he aprendido de él es que la poesía verdadera golpea desde la emoción. Y ésa emoción se manifiesta, a lo largo de su obra, a través de ciertas constantes,  una de estas constantes, es su pasión por reconstruir el lenguaje, de hacerlo apto para expresar la magnitud de la desolación, como en el ya famoso fragmento de El Turno del Aullante, cito:

Caidal mi pinche extrañación vino de golpe
a balbucir sepa qué tantas pendejadas;
venía dizque a escombrar lo que el almaje me horadaba,
y a tientas tentoneó para encontrarse
un agujero tal de tal tamaño que en su adentro
mi agujereaje y yo no dábamos no pie
sino siquiera mentábamos finar
de donde a rastras pudiera retacharse nuestro aullido.

Otro elemento que se manifiesta en su obra, es la búsqueda del poema como un espacio para detener el tiempo, buscar el conocimiento en el movimiento de las cosas más simples, o las más disparatadas, en fin, nada serias, y que por eso, precisamente por eso, logran trascender, ir más allá de los afanes humanos de los cuales no pocas veces se burla. Cito otra vez de El Turno:

Hoy tengo que saber algunas cosas,
averiguar ciertas costumbres de las aves,
ciertas maneras de la tarde que no entiendo.
Debo saber -es un ejemplo- aquello que concierne
a las personas a la hora de la lluvia,
su modo de perderse entre la niebla, su tristeza,
su nostalgia sombría como el viento;
quiero saber, también, las causas de la muerte
del erizo, su manera tan fiel de arder a solas, su sollozo;
después, tengo que averiguar algo pluvial
que llega en las palomas, algo que duele,
algo que suena hueco y sabe frío:
un caracol que se hunde en un espejo y un lamento:
la destrozada forma de un rostro que me escalda y todo aquello:
el hosquedal de pájaros que empieza,
el viento en la ventana dando miedo
y esta manera de llover que parte el alma.

De entre muchos elementos que surgen como preocupaciones constantes en la obra de Max, el tercero que voy a mencionar hoy aquí, es el tema del cuerpo, que es a donde desemboca de una manera contundente su más reciente gran, gran poema, titulado Cuerpos, pero que está ya muy presente en sus libros anteriores.
El cuerpo, nuestra inquietante presencia en este mundo, el cuerpo y sus deseos haciéndonos dar tumbos, el cuerpo como expresión doliente y gozosa de la vida, el cuerpo, como caricatura trágica de la humanidad, el cuerpo como desesperada búsqueda, el cuerpo trascendente y trascendido, cito de El Turno:

No he podido morir, pero no importa. Me quedan otros trozos
de pellejo y otros dientes, y a lo mejor mi traje funeral
no está bien hecho. Olvidé tantas cosas desde anoche
que olvidé que mi cuerpo estaba roto y ahora está
no sé dónde, cayéndose de olvido; de esto, a veces,
me acuerdo con nostalgia: salgo por él gritando
como un loco, y acabo sin remedio tropezando.
Debo encontrar un cuerpo que me aguante: mi único traje
se volvió ceniza, y no me queda piel con que ir a mis entierros.

Tuve la buena fortuna de conocer a Max en el 2004. Nos sentábamos en un Sanborns a tomar café y compartir con asombro la lectura de un poema llamado Cuerpos, que él estaba comenzando a escribir, ya desde entonces, un largo poema, sin imaginarnos que 4 años después seguiríamos haciendo lo mismo porque el poema, al igual que el asombro, seguían fluyendo. La última vez que pregunté por la extensión que había alcanzado Cuerpos, estaba alrededor de 3 mil cuartillas. Podríamos decir que está escribiendo el poema más largo de la historia, alguna vez él mismo bromeaba diciendo que sería mejor, en vez de numerar las hojas de su manuscrito, agruparlas por kilos. Pero hablar de su extensión tal vez sólo tiene sentido si hablamos del silencio previo a éste poema. Después de sus dos primeros libros, Max no escribió poesía por casi 30 años. Mucho se hubo de fraguar en esa época. Quizá las puertas de la percepción del sitio a donde Max quería llegar, estaban aún cerradas. Pero él supo esperar, con paciencia, y desde que esas puertas por fin se abrieron, no ha sido posible cerrarlas.
Ha sido maravilloso para mí compartir esas lecturas, incluso telefónicas, con los fragmentos más recientes, con las “últimas noticias” de Cuerpos. Parece que Max, por fin encontró un Cuerpo que lo aguante.
He aprendido mucho de Max, no sólo de su manera de entregarse a la escritura, también de su manera de entregarse. Una de las preguntas que le hice durante esas primeras reuniones fue: ¿De dónde sale este poema? No lo sé, me decía. Desde entonces, algunas veces con él, otras a solas, he tratado de encontrar la respuesta a esa pregunta. A falta de referentes, influencias, estilos, figuras, y todas esas herramientas de las que comúnmente se hecha mano al tratar de penetrar en el mundo de un escritor, yo le pregunté al poema mismo, y éste, sí que me ha respondido, a veces con sarcasmo, a veces desde la alegría, a veces desde un ácido dolor, pero juro que siempre me ha respondido. Una de las respuestas más sinceras que he recibido de Cuerpos, a propósito de la solución a mi pregunta, es el fragmento que dice:

(La única solución es carecer
             de solución para cualquier asunto
                     e irse a trombonear
                   alegremente)

He descubierto que una de las maneras más convenientes para leer Cuerpos, es a manera de oráculo. Ahí donde abras la página, es el mejor lugar para leer, y dado que sería imposible, para cualquier ser inmortal, incluido el autor, leer el poema de una vez de principio a fin, se puede continuar la lectura, en otro momento, en otro lugar y el poema siempre nos estará hablando desde donde lo dejamos la última vez. ¿Por qué? Bueno, primero, porque es un poema mágico, y segundo, ¡porque así fue escrito! Cada vez que Max ha pretendido hacer las correcciones pertinentes que todo escritor hace a su texto cuando lo “pasa en limpio”, el poema siguió creciendo. Le brotan hijos por todas partes, abriéndose paso con ritmo propio, haciendo el poema aún más extenso, sin ninguna consideración para con el autor, a quien sólo le queda hacerse a un lado para dejar que éste poema continúe escribiéndose solo.
El poema definitivamente es más que una evocación, está vivo. Cuerpos no es un poema escrito de una manera tradicional ni remotamente conocida, tampoco es así la manera como Max se relaciona con él. El poeta es su poema y viceversa, pero en este juego de espejos, Max se ha propuesto incluso, entrar dentro del poema, se ha desdoblado, que no por nada Max es géminis, y ha podido ver lo que se siente, andar como cuerpo errante del infierno al paraíso, conociendo la fragilidad del amor: levedad bajo un montón de ruinas, naufragar en los profundos laberintos de lo extraño y gracias a la perdición: salvar al alma de hallar la salvación eterna, (entre otras muchas cosas). Cito de Cuerpos:

Como el sentido de la pérdida que aqueja al poeta que considera
como muy posible estar metido, en este instante,
como lo ha querido muchas veces sin lograrlo
estar adentro de su poema
que, en ocasiones, se escritura solo
pero, en otras, se espantan las palabras
y dicen no lo que el poeta considera
que debieran decir
sino otras cosas que no tienen nada que ver
con lo que el poeta quiere que se diga
y por eso -entre otras cosas-, el autor de este poema interminable
no acaba de saber si está ya adentro,
en el caso que pudiera de verdad entrarse al interior del poema
o sigue, como siempre, encajuelado afuera,
tiritando adentro
o a la mitad, según costumbre

La imposibilidad de libertad fuera del poema, enfrentada con la imposibilidad de encontrar la paz adentro del poema, sitio en constante movimiento y búsqueda. Imposibilidad de callar y dolor al decir. Cito de nuevo de El Turno:

Que a mí me duele el silencio
bajo el que
escondo mis penas,
pero más me duele el grito
con el que quiero callarlas.

¿Y puede ser éste grito llamado Cuerpos, un solo poema en 25 libros y los que se siguen escribiendo, un vehículo para deambular por otros estados de conciencia? Antes hablé de las puertas de la percepción y es que en éste poema, los cuerpos no pesan, ni están fijos o sólidos. Los cuerpos crujen, transmutan se acongojan o se alegran en libertad. En Cuerpos, nuevos mundos son siempre posibles y el poeta puede deambular en esferas de creación interminables. Por eso Cuerpos no termina nunca, es una enseñanza, la victoria de la verdadera poesía que busca y extrae su conocimiento no de la aparente realidad que hemos aprendido a considerar como todo lo que hay, sino de su propio viaje interior, donde el movimiento de lo que vemos, surge, de lo que no vemos, lo percibido surge de lo imperceptible, la vida, encuentra su origen en el vacío, en la nada, hacia donde regresa. Cito de Cuerpos:

Pero los cuerpos seguirán llamando fuertemente a puertas
hasta que el Todo se convierta en Nada
y nada sea un cuerpo más que se hunde en el vacío y ahí concluya.

Max fue al encuentro de la poesía al único lugar donde todavía era posible encontrarla, ahí se reescribe la vida y la muerte. Los cuerpos están hechos con el mismo material que nuestros sueños, los barcos o los fantasmas, todos compartimos la misma existencia y nuestras emociones son tan potentes como las de una hoguera o un tren camino al alba. La culpa y la lujuria, el amor, la materia, los cuerpos, todo se transmuta una y otra vez, de forma interminable, como la poesía
Alguna vez le comenté a Max que Cuerpos tenía un ritmo hipnótico, y una vez que uno entra en él, siente que cae por un abismo, sin principio ni fin y vuelve a caer en otro abismo sin principio ni fin, donde un número indefinido de puertas se abren para dejarnos caer otra y otra vez. En ésta especie de meditación o trance profundo, uno puede encontrar todas las preguntas y todas las respuestas. Se puede entrar o salir de nuevos brotes del poema y encontrarse con el infinito, se puede intentar todo y seguir cayendo en un fluir interminable. Se puede encontrar de golpe, toda la inspiración o todo el desencanto. Es un juego, por el que vamos siempre cayendo. Cito de Cuerpos:

Cada cuerpo es él como tal cuerpo
pero es otro, al mismo tiempo, y
todos son el mismo cuerpo que
se hunde en los espejos y nos mira.

Esta es la poesía que nos habla ahora, como ahora hay que hablarnos. Esta es la poesía que nos golpea desde la inteligencia de una emoción que se desborda y se contiene para ser nuevamente desbordada. Esta es la poesía que nos habla desde los laboratorios donde se fraguan los sueños y la vida, desde el otro lado de nuestra percepción donde está la certeza de que todo, al igual que éste poema, nunca termina.



*****

SOFÍA DEL CARMEN RODRÍGUEZ (México). Poeta y pintora, ha participado en diversas exposiciones individuales y colectivas. Entre sus publicaciones: Carpintería Dramática (Teatro, coautora); Ángel Fragmentado (Poesía, 1999). Página ilustrada com obras de Tita do Rêgo Silva (Brasil), artista convidada desta edição.

***

● ÍNDICE # 99

EDITORIAL | A pronúncia esquecida da realidade

ALICIA LLARENA | Agustín Espinosa: Lancelot 28º - 7º

CARLOS OLIVA MENDOZA | Erotismo, pornografía y felicidad

ESTER FRIDMAN | Quer a humanidade ser livre?

FLORIANO MARTINS | Valdir Rocha e o mito transfigurado

GABRIEL JIMÉNEZ EMÁN | Leonora Carrington y surrealismo novelado, por Elena Poniatowska

JORGE ANTHONIO E SILVA | A poética na esquizofrenia

MARIA LÚCIA DAL FARRA | Gilka Machado, a maldita

PEGGY VON MAYER | Volver la mirada a Ninfa Santos

RIMA DE VALLBONA | Indicios matriarcales en las comunidades chorotegas

SOFÍA RODRÍGUEZ FERNÁNDEZ | Homenaje a Max Rojas

VIVIANE DE SANTANA PAULO | Tita do Rêgo Silva e o mundo fantástico, faceiro e colorido da xilogravura

***

Agulha Revista de Cultura
Número 99 | Junho de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista
os editores não se responsabilizam pela devolução de material não solicitado
todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80