quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

ZUCA SARDAN & FLORIANO MARTINS | Labyrintho Naska – Um ensaio-automático


1. Nas nossas pesquisas surrealístico-totêmicas, Zuca com Floriano Martins, sobre as poderosas forças inconscientes  que secretamente forjam a História, Natural e Humana, desde os Pitecantropos Eretos até as mais recentes Civilizações, deparamo-nos com o Mystério do Labyrintho de Naska.
Chama-se Nazka uma civilização peruana que se desenvolveu num período pré-incaico, e que nos deixou um colossal Labyrintho  de uma dimensão descomunal, e que se apresenta sem qualquer razão ou explicação, tal as estátuas da Ilha da Páscoa.
Este labyrintho, visto a centenas de metros de altura, de um avião, ou, melhor ainda, de um zepelim, se transforma numa série de desenhos concatenados, de  rara elegância, e alta qualidade estética, comparáveis às das Pyrâmides do Egypto.
Como os naskas não possuíam aparelhos aéreos… Então… Para quê?… Como?… E por que?… Criaram um labyrintho-figurativo… que não viam?…
Como  o desenho-labyrintho só se revela visto duma altura abissal… então… poderia ter a função de indicar o local, para eventual aterrissagem… de quem?… discos-voadores?… tal suposição foi considerada por escritores de ficção-científica, com algum sucesso, nas últimas décadas do século passado.
Mas se aceitarmos reconsiderar os relatos dos grandes monumentos literários da mais longínqua Antiguidade… então… Plac!… Eureka!… Nas primeiras páginas do primeiro Livro da Bíblia, lemos que, pouco após a condenação de Adão e Eva, nos primórdios da Civilização, os Anjos do Senhor andaram se enrabichando pelas filhas do homem… Então… Plaf!… Eureka!… Plec- Plec-Plec (estalo os dedos)… Sendo os Anjos uns Gigantes Alados… se enrabicharam pelas Gigantonas Patagonas da Terra do Fogo!…e de seus amores… nasceu a Raça dos Gigantes, que aparecem em várias Mitologias, da Grécia, da Alemanha, e de outras civilizações.

2. Tudo isto parecia a solução certa para o desencontro entre o que se tinha e o que não se via. As Gigantonas poderiam então tecer seus papiros com singelas adagas em seus cabos de serpente e deixar pistas falsas para outras civilizações que certamente por ali passariam escavando o passado em busca de novas histórias destinadas ao desapego ao tempo e ao espaço.
Com suas luas balançando enquanto mexiam braços e pernas aquecendo o selo de tantos reinos preparados para sucumbir, as avultadas Patagonas evidenciavam sua preferência pelos Gigantes Alados mais bem dotados. E desenhavam na glande de seus amantes um afilado farol cuja ponta projetava o dorso do labyrintho visto de infinitos ângulos.
Uma delas, de nome impronunciável, espalhou corpos perecíveis, como raminhos ocultos, pelas dobras de cada passagem. Há rumores de que a primeira treva criada o foi na forma de uma andorinha, cujo perfil se movia cada vez que era entrevista. O mundo então foi recortado em duas vinhetas, o mistério interior e o mistério exterior. Há outra versão que garante que as duas vinhetas foram enterradas em páginas distintas de um livro sagrado, cuja verdade revelada há séculos vem ostentando seus dogmas relativos, que não se completam até que se revele a chave de localização dessas vinhetas.
Desde então a Terra do Fogo vem mudando de coordenadas, vagando pelo planeta como um peregrino manco. Comenta-se ainda que o labyrintho-figurativo retém em suas catacumbas lacradas a memória laudatória de todas as ficções científicas e fábulas alvoroçadas que pregam os motivos de tanta violência por parte dos divinos soberanos que triunfam sobre a Terra.

3. Para concluir, deixamos uma questão, à argúcia de nossas alertas leitorinhas: teria Humboldt conhecido mais de perto as Gigantonas? Ou… preferiu ele permanecer prudentemente a bordo do  navio? Tal questão já agulhava a curiosidade do Capitão Flowers, o que ensejou instigante diálogo.

CAPITÃO FLOWERS – Pois então, Doutor Humboldt, não quer dar um passeio pela praia, e ver as Gigantonas Naskas?…

DOUTOR HUMBOLDT – Ora, Capitão… Não estudei ainda essas belas lendas oriundas do pensamento infantil dum povo ainda em estado pre-civilizado.

CAPITÃO FLOWERS – Sim, os naskarenhos são muito infantis… Mas bem baixinhos, e as naskarenhas praticamente anãs… Não obstante, em viagem anterior, desembarquei de escaler justamente aqui, onde ora nos encontramos, e, para estirar um pouco as pernas, parti numa passeada à beira-mar, e, de repente deparei-me com uma gigantona de uns bons três metros e meio de altura… Muito gentil, boazinha, ainda meio infantil… Começamos a brincar… Ela achava que eu fosse um bonequinho… Escureceu, e dormimos, ela me cerrando a seu colo colossal…

DOUTOR HUMBOLDT – Cena idílica e comovente, Capitão Flowers… Vou relatá-la em minhas memórias da viagem. Mas… e depois?…

CAPITÃO FLOWERS – Quando acordei… estava só… Minha adolescente amigona havia partido… Mas me deixou uma carinhosa lembrança… Uma tatuagem belíssima, Doutor Hiumboldt, exprimindo todo seu carinho e devoção…

DOUTOR HUMBOLDT – Ela lhe tatuou no braço?… Uma âncora? Ou talvez… uma… sereia?…







 CAPITÃO FLOWERS – Não no braço, o que seria apropriado para um marujo, e tampouco o tema foi uma vulgar sereia…

DOUTOR HUMBOLDT – Já sei, capitão, ela esculpiu-lhe umas flores…

CAPITÃO FLOWERS – Talvez, induzindo ela fosse eu um Capitão, ela me esculpiu… um farol.

DOUTOR HUMBOLDT – Um farol tatuado no coração!… Vou anotar nas minhas memórias da viagem.

CAPITÃO FLOWERS – Muito bem, Doutor Humboldt…  Digamos que tenha sido, talvez, no coração.

Como todos nós sabemos, a História é um abismo que seguimos preenchendo com os mais díspares acréscimos, desde que a memória não levante suspeitas sobre o que de fato ocorreu. Por este motivo os mistérios são precavidos em deixar sempre uma ponta de dúvida sobre o que é ou deixa de ser razoável. Afinal, os milagres se reconhecem quando o acaso lhes favorece um encontro…



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FLORIANO MARTINS (Brasil, 1957). Poeta, ensaísta, editor, tradutor. Dirige a Agulha Revista de Cultura e a ARC Edições. Zuca Sardan (Brasil, 1933). Poeta e artista plástico. Esta é uma primeira experiência de ensaio a quatro mãos levada a termo pela dupla que recentemente publicou O iluminismo é uma baleia (ARC Edições, 2016), trilogia de peça de um teatro automático. Página ilustrada com obras de Kenichi Kaneko (Brasil), artista convidado desta edição de ARC.






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