quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Agulha Revista de Cultura # 92 | Editorial


● GLAUBER ROCHA, FANTASIA E NÁUSEA DA CONTEMPORANEIDADE

Glauber falava em fazer filmes sobre a “fantasia da contemporaneidade”. Só que isto em uma época em que a contemporaneidade não havia sido de todo drogada pela massificação dos meios e da mensagem.
Glauber queria “descomplexar” a mentalidade da cultura brasileira, sempre tomada de assaltos por europeísmos e estadunidismos. Disse que o protestantismo ajudou seu cinema, referindo-se à “falta de pudor diante das imagens” de seus filmes. Enfermada de catolicismo, a cultura brasileira nunca entendeu o Surrealismo. Numa possível definição estilística, jamais arriscou grandes voos. Fomos sempre torniqueteados por uma culpabilidade política e outra religiosa.
Glauber reclamava da necessidade de se fazer uma revista de cultura. Não se pode deixar de fazer crítica a tudo o que se produz. Temos que parar com o corporativismo cultural e recuperar a indignação. Somente a raiva restaura. Nos anos 1990, tivemos a revista Piracema (da FUNARTE), uma tribuna crítica, com uma ambientação histórica e um jato de luz sobre a cena contemporânea. Logo foi devastada pela canalhice tradicional.
Então voltamos ao ponto de partida: uma cultura que não se discute, discurso liquefeito em louvações e esquecimentos táticos. Institucionalizou-se a velha prática do Concretismo: a fraude. Aliás, em 1972, Glauber já se referia à confraria dos concretos como “concretinos”, chamando-os de “funcionários da tecnologia”. Uns funcionários algo incompetentes, uma vez que, nas relações entre poesia, modernidade e tecnologia, não interferiram em nada do que se havia esboçado no manifesto da tribo. Segundo arremate lúcido de Glauber, o Concretismo só trouxe contribuição para a publicidade.
Glauber em todo momento sugeria a seus pares aquilo que deveriam filmar. Não se tratava de petulância e sim de uma espécie de poética automática, giratória, que esteve a vida inteira disparando. Cartas, conversas, filmes etc. Distribuía ideias a todos. Sugeriu a Arnaldo Jabor filmar uma “psicanálise radical da família de classe média”. O filme Tudo bem (1978) é um ensaio disto. Pena que fosse pouco ouvido. Decerto assim o cinema brasileiro poderia contar com alguns filmes, além de alguns seus.
Glauber expunha-se despudoradamente ao diálogo. Insultava, delirava, profetizava, sempre impulsionado pela essencialidade que lhe atribuía. Sabia que em discussão aberta não há usurpação de direitos.
Nos anos 1980, afirmava que “o nacionalismo é a raiz do futuro brasileiro”. Sua visão de nacionalismo era outra, em nada ligada a uma postura integralista. Bem antes já expusera sua repulsa à adoção irrestrita da ideologia de ‘68, dizendo que vivíamos uma falsa crise, reflexo da incorporação integral de aspectos políticos de outros países. Tivesse sido ouvido decerto haveria alguma resistência ao musak predominante em nossa cultura.
Disse que temos uma leitura despedaçada de tudo. Sofremos a síndrome do à la page, do up to date. Somos culturalmente autistas. Sequer aprendemos algo com nossos erros. Tanto é verdade que ainda se considera Oswald de Andrade um paradigma da modernidade brasileira. Vivemos em um estado demagógico populista. Nada de risco ou complexas definições estéticas. Para que as peças se encaixem no jogo e tudo pareça normal, substituímos o diálogo pelo debate programado, a edição de textos, o tratamento de imagens. Tudo é televisão.
Glauber escreveu sobre Fellini e parecia falando de si: “o mais livre e o menos comprometido com as regras do jogo”. Talvez se possa dizer dele que tenha sido o único artista do cinema brasileiro. As ousadias estéticas levadas à tela em A idade da terra (1980) bem o provam. Não é um filme, e sim um manifesto.
Assim como Fellini, Glauber também foi um cineasta “sem culpa de loucura e beleza”, que soube conviver com os labirintos intestinais do sonho e da realidade. Apontou as falhas de seus pares, reconheceu as atitudes além de sua capa ideológica, denunciou o quanto que “os brasileiros detestam o Brasil”, sobretudo amando indiscriminadamente o que fazia e defendia.
A discussão em torno de Glauber não poderá jamais se restringir ao cinema. Mesmo em se tratando da leitura de uma desconstrução da linguagem, em seu caso, graças a uma visceralidade irredutível de seu caráter. Se ali traçou um plano de destruição da narrativa, encarnou a desconstrução do discurso como uma organicidade estética. Absurdo referir-se a ele como um caótico.
Glauber se sentia um barroco épico. Segundo o crítico Ely Azeredo, havia nele tanto um “obsessivo delírio poético” quanto um “poderoso cerne realista”. A grande dificuldade de aceitá-lo no Brasil é que se faz aqui uma arte de gabinete, marcada a fogo por padrões e normas de conveniência. Glauber nunca teve nada a ver com Godard, Nouvelle Vague ou mesmo o Cinema Novo. Nunca foi apocalíptico nem integrado. Estivesse vivo continuaria dizendo aos cineastas: deixem de fazer cena, façam filmes!
Glauber dessascralizou todas as posturas de uma modernidade congênita, denunciando uma enganosa patologia do moderno. Ironizou o velho guru Timothy Leary, a fraude de uma vanguarda francesa, a perene dependência estética da cultura brasileira. Seremos eternamente público ou definiremos alguma ação? Nisto reside a perspectiva central que nos abre a obra e a vida de Glauber Rocha.

Floriano Martins



ÍNDICE

ALFONSO PEÑA | Carmen Santos  y su estela vanguardista: pintura, objetos y obra gráfica

ESTER FRIDMAN | Dos preconceitos dos filósofos às três transmutações

FERNANDO DENIS | Dante Gabriel Rossetti o la gótica soledad de las palabras

FLORIANO MARTINS | Um encontro impossível com Bartolomeu Mourisco

LEDA CINTRA CASTELLAN | Brasil dos livros esquecidos

OMAR CASTILLO | Ascuas, la poética de Jaime Sáenz

OMAR CASTILLO | El universo anverso de León de Greiff

OMAR CASTILLO | La presencia de Alejandra Pizarnik

RAFAEL RATTIA | Eugenio Montejo: la leve terredad del poema

ZUCA SARDAN & FLORIANO MARTINS | Labyrintho Naska – Um ensaio-automático

ARTISTA CONVIDADO | KENICHI KANEKO | Agonias e bonanças, anotações autobiográficas










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Página ilustrada con obras de Kenichi Kaneko (Brasil), artista invitado de esta edición de ARC.

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Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 22 | Dezembro de 2016
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista
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ALFONSO PEÑA | Carmen Santos y su estela vanguardista: pintura, objetos y obra gráfica


Entre la múltiple obra de Carmen Santos (San José, Costa Rica, 1925-2002) –dibujos, cuadros de mediano y gran formato, esculturas y objetos artísticos– hay que mencionar también la obra gráfica y la siderurgia.
Carmen era una creadora innata. No tenía método de trabajo, ni utilizaba “maquetas” para organizar su creación; podía pasar de la elaboración de una pieza de orfebrería, a la creación de un “imponente” polímero blanco con listones negros, o una pieza “objetual” trabajada con resinas y metales. Su campo de acción era amplio y en diversos ámbitos. Desde el inicio de nuestra amistad, vislumbré y pude conocer su labor infatigable.
Con ella, –felizmente– coincidí desde 1986. Poco a poco, establecimos un puente creativo, un diálogo abierto y objetivo. Fueron años de intensa labor, de mutuas colaboraciones y de análisis permanente.  En más de una ocasión, me reveló como trabajó con grandes privaciones, y en espacios improvisados, en su aprendizaje, y posteriormente, en su desarrollo en Nueva York; sin embargo, se mantuvo fiel a su propia producción y esas desventajas, acaso, si se notan en sus creaciones.
 Santos, construyó un lenguaje propio, con retazos de memoria, lúdico y simbólico, de grafismos dominantes. Su pintura es como un vasto amanecer auroral, una iluminación de territorios inexplorados, brochazos cósmicos, trazos poéticos, informales, automáticos.
 Carmen Santos, en su permanencia en La Gran Manzana, investigó con profundidad las técnicas con el polvo de mármol y los residuos orgánicos minerales.  En sus creaciones, destacan las superficies irregulares, los planos matéricos y las lajas y senderos ceremoniales, las láminas de pedrería, los vastos desiertos polares, los glaciares, la simbología mesoamericana.
En alguna de nuestras conversaciones me confesó, que al “destaparse” la Segunda Guerra Mundial y al permanecer en La Gran Manzana, el gobierno de los Estados Unidos, convocó al pueblo a colaborar de todos los modos posibles. Ella, sin conocer el oficio de enfermera, se alistó en uno de los hospitales de la Metrópoli; con rapidez pasó de asistente de enfermera, a enfermera titular.  Durante jornadas extenuantes, fue salpicada por la desazón y la angustia, el dolor y la desesperanza. Los heridos y los fallecidos, de las batallas atroces, llegaban por centenares a los hospitales de la ciudad. Testigos confiables, aseguran que Carmen, destacó en el oficio de enfermera. Conociendo sus dotes de gran humanista, no es para nada gratuito, ese testimonio.
Después de la guerra, Carmen se acopló al contexto neoyorquino. Su pintura se reafirmó y optó por las formas geométricas abstractas. Sus grandes formatos –especies de lápidas impregnadas de manchas–, nunca llegan a un final previsto, están en continuo cambio. Son metáforas de la libertad creativa y un “modo personal” de percibir la realidad.
Durante varias temporadas participó en exposiciones y exhibiciones individuales y colectivas en La Gran Manzana.  En ellas, subrayó su obra de vanguardia y despuntó por su sello personal en su indumentaria y su amplia cultura universal.
A finales de los cincuentas, Carmen Santos, se trasladó a Ciudad de México.  Como muchos “andariegos y exiliados” del siglo XX, encontró en la capital mexicana, una buena acogida y mucha solidaridad de colegas y artistas de México y otras nacionalidades.
Hay que imaginarse a Carmen integrada al medio artístico azteca de esos años. Su creación, se emparentaba con las nuevas tendencias que se alejaban de la huella de los “Tres Muralistas”; es decir, los integrantes de la Generación de la Ruptura (José Luis Cuevas, Manuel Felgueréz, Gironella y Vicente Rojo, entre otros).
Sus ensambles, sus obras matéricas y texturadas, sus fusiones siderúrgicas, calzaban certeramente con lo que alentaba la nueva sensibilidad mexicana.
Durante los años que habitó en la “Ciudad de los Palacios” tuvo una gran interacción y reciprocidad con diferentes maestros mexicanos y extranjeros refugiados en México. Con muchos de ellos expuso de un modo colectivo, pintura, escultura y obra gráfica. Incluso fue la ganadora unánime de una Bienal de Pintura donde participó lo más representativo de la onda plástica mexicana. Ese período de Carmen Santos fue muy intenso, sin embargo, existen unos baches profundos en los que se pierden sus huellas y sendas creativas.
[Carmen Santos es una de esas creadoras de “gran estatura” que se mantienen invisibilizadas; “¡parece increíble!” que a estas alturas del siglo XXI no existan catálogos impresos o digitales sobre su obra de vanguardia. Ni se diga, una eficaz difusión internacional, o una exposición retrospectiva en México, y Nueva York donde desplegó su obra más audaz, o en San José, donde su impronta y aportes los rastreamos en muchos de los pintores contemporáneos costarricenses. Los curadores –esa extraña fauna– o los “críticos de bataclán” no se preocupan por su obra; más bien, siempre escriben sobre las mismas mediocridades, con sus palabras huecas y mercantiles. Eso es alarmante. El conocimiento fragmentario que tenemos de la obra de CS es un mal sabor incesante; nos queda como recurso –casi vacuo– el “clamoreo” de que al menos exista en la red una página o web site dedicado a esta notable (noble) artista valiente y rupturista. Sin embargo, no podemos obviar el extraordinario dossier que le dedica la revista Matérika www.revistamaterika.comen la edición #10, y  que se constituye –hoy , por hoy– en lúcido y bien cuidado material gráfico, visual y poético sobre su genuina creación].
Algunas de sus participaciones en eventos artísticos en el Distrito Federal:

Primera Bienal Interamericana de Pintura y Grabado, Museo Nacional de Bellas Artes, 1958;
Primer Salón Nacional de Pintura, Museo Nacional de Arte Moderno, 1958;
Segunda Bienal  Interamericana, Museo Nacional de Bellas Artes, 1960;
México presenta: Cien años de pintura francesa y Cien años  de pintura mexicana, Museo Nacional de Bellas Artes, 1962.

En ciertas ocasiones, entre café y café, o alrededor de una sobremesa, Carmen Santos, me refirió algunos interesantes episodios. Recuerdo, cuando en una tarde penetrante, me habló de Vicente Rojo, de Vladi,  de Carlos Mérida,  y Rufino Tamayo, entre otros.  Expresó que tuvo la suerte de encontrar personas (artistas) muy afables y llenos de gran sensibilidad artística.  Santos, les tenía gran agradecimiento y además  valoraba a algunos, por ser excelentes creadores y por ser “exiliados políticos”, que encontraron asilo en México, al escapar,  de los horrores del franquismo español y de otras dictaduras latinoamericanas. Carmen Santos, vivió su exilio voluntario.
Carmen, transitó por la senda de la escultura en metal. Sus obras fundidas en metales, son admirables y lúdicas. Son fusiones de un soporte impecable. En más de una ocasión, la observé, trabajando con el soplete y la fibra de vidrio, (en su taller de Escazú); esos, eran  instantes prodigiosos. En Nueva York, Ciudad de México y San José, hay evidencias de su trabajo: murales forjados en metal y fibra de vidrio; o las afamadas “Lámparas  Santos”, impecables artefactos artísticos… Un día de tantos, nuestra artista, me obsequió una lámpara maravillosa…
A mediados  de los noventas, Carmen Santos, se evaporó del medio artístico costarricense. No se le volvió a ver en los “vernissages”, las tertulias, el teatro, los restaurantes de San José  y Escazú, o en compañía de su amiga la cantante Julita Cortés, que la visitaba después de realizar sus giras internacionales  con los “Machucambos”.
A nosotros, nos extrañaba la ausencia de sus composiciones, sus últimas obras “blanquecidas”, con enormes soportes y densas capas de óleo y acrílico.  Su conversación poetizada y sus anécdotas salpicadas de la “Estética del tocador”.
El artista Mario Maffioli, organizó en 1998, la muestra Abstracción en Costa Rica, en la Galería Andrómeda; trabajamos con un equipo muy profesional y uno de los requerimientos y proyecciones fue invitar a Carmen Santos, como una iniciadora y gestora de ese movimiento artístico en el país. 
Después de muchos intentos y búsquedas infructuosas, una voz amiga, nos “sopló” donde la podíamos hallar.







 Una mañana invernal la visitamos en barrio Escalante. Estaba confinada en una Casa de Salud. Nos recibió con alegría y naturalidad admirable. Nos contó de sus “desdichas” y después de un diálogo vivaz, acordamos que ella participaría en la exhibición. La muestra estuvo configurada con obras de 10 artistas abstractos y fue un éxito.
Esa faena le insufló a Carmen Santos, un segundo aire. La invitamos a participar de las ediciones gráficas del Taller de la imaginación, y durante un extenso año, nuestra artista, participó de un modo activo: creó un portafolio de Obra Gráfica, y compartió su conocimiento, con artistas amigos, el editor y el maestro impresor.
Sus creaciones en la técnica de la Serigrafía, las puedo analizar como ejercicios llenos de soltura y poesía. Son desplazamientos atmosféricos, viajes astrales, homenajes simbólicos al metate, a la grafía ancestral mesoamericana.  Por mi mente, desfilan esas creaciones compensadas, dinámicas, sobrevuelos líricos, ofrendas a la naturaleza, al paso existencial del ser humano, por la tierra y el espacio. ¡Habitantes del Cosmos!
La última vez que vi a Carmen (antes de su despedida final) fue en una amplia avenida josefina. La observé ascendiendo a un automóvil azul en marcha, acompañada de dos mujeres muy bien ataviadas.  Carmen, firme en su faz y su atuendo: sombrero de ala ancha, huipil blanco con incrustaciones en jade, falda larga y negra, y un conjunto de abalorios y sortijas de pura platería… 
¡Adeus, amiga!



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ALFONSO PEÑA (Costa Rica, 1950). Narrador, editor, collagista. En colaboración con la artista Amirah Gazel, organizó la expo surrealista internacional Las llaves del deseo, 2016,  primera en Centroamérica. Página ilustrada con obras de Carmen Santos (Costa Rica), artista invitado de esta edición de ARC.


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ESTER FRIDMAN | Dos preconceitos dos filósofos às três transmutações


Para Nietzsche, o que ocorreu com os estoicos é o que ocorre com a filosofia quando ela começa a acreditar em si mesma: não pode evitar criar o mundo a sua imagem. Com isso em mente, tentarei expor minha perspectiva interpretativa do pensamento nietzscheano. Não direi que o pensamento que se segue me pertence, ou seja, que é predicado de meu “eu” que pensa. Pois, se Nietzsche estiver certo (por que sempre a verdade?), o pensamento pode ser autônomo, não dependendo de nós. Acreditar que o pensamento vem quando queremos, e não quando ele, o pensamento quer, é uma das superstições dos lógicos – que o sujeito eu é a condição do predicado penso. O hábito gramatical diz que o pensar é uma atividade, e não existe atividade sem agente.
Nietzsche também opera com preconceitos e, a partir deles, submete à critica muitos, se não todos, os domínios de nossa civilização: ético, político, religioso e cientifico. Para ele, na história de nossos valores mais elevados, há muita trapaça e mesquinharia. Mas estas estão dissimuladas em firmes convicções. Somos nós que vamos colocando os valores, sendo que toda valorização é de fachada. Por trás delas há tolices, mas estas podem ser necessárias para a preservação de nossa espécie. No fundo, estamos lidando com a noção de Platão de mundo verdadeiro e mundo aparente. E, cada vez que se põe um nome, há um comando. Eu dou um nome, logo, comando. Para Platão, há um mundo verdadeiro, que não é esse mundo onde vivemos, que ele chama de mundo das essências. E este mundo onde vivemos seria uma cópia daquele, seria o mundo das aparências. O valor do mundo aparente está no mundo verdadeiro. Ora, se rotulamos o mundo como ele deve ser, desprezamos o mundo como ele é.
Alguns séculos depois de Platão, com o advento do cristianismo (o platonismo para o povo, segundo Nietzsche), a desvalorização da vida e a promessa de outra vida melhor, em outro mundo, foram se cristalizando cada vez mais na civilização ocidental. O resultado foi uma moral de rebanho, onde não há escolha, onde não há liberdade, onde só há uma vontade fraca - uma sociedade guiada pelo ressentimento. Aqui temos o homem transformado em camelo. Para Nietzsche, não foi Platão, mas Sócrates que teria criado um ressentimento na cultura. O problema não é Platão, mas o platonismo. Todos os “ismos” são perigosos – os seguidores tornam-se fanáticos.
Pertencemos a uma civilização na qual houve uma só interpretação considerada verdadeira. Quando não se tem escolha, não se tem iniciativa. O que se tem é apenas reação.
Foi dito que Nietzsche faz uma crítica a nossa civilização a partir de preconceitos. Mas, afinal, quais são esses preconceitos de que Nietzsche fala?
São preconceitos que os filósofos defendem e chamam de verdades, e que, muitas vezes, não passam de confissões pessoais de seus autores. Por isso, segundo Nietzsche, para saber quem é o filosofo, basta ver qual é sua moral. Há que ver como estão dispostos os impulsos de sua natureza. Todo impulso quer dominar, quer ser senhor dos demais, e tem a pretensão de ser a finalidade última da existência.
Nietzsche ataca a vontade de verdade como o primeiro preconceito dos filósofos. Nada foi mais venerado desde os tempos de Platão do que a verdade. Ele não está preocupado com a origem da vontade de verdade, mas com o seu valor. Saber qual é o valor é desmascarar. No aforismo 344 de “A Gaia Ciência”, Nietzsche analisa “em que medida nós também somos devotos ainda”, pois ainda acreditamos na verdade. A ciência deixa de fora os princípios religiosos, mas permanece na crença. Sem a crença na verdade, não há ciência. A verdade é o único valor. “Nada é mais necessário do que a verdade”. Isso é uma crença. O próprio conhecimento é um juízo de valor. A ciência nos dá segurança porque passa uma imagem de prudência – deixa de lado o engano, o erro e a falsidade, como se isso fosse possível. E também nos dá a possibilidade de previsão. Mas quem disse que não queremos ser enganados? E quem disse que não preferimos o imprevisto? Não sabemos nada do caráter da existência para afirmar o que é melhor. Muitas vezes as inverdades são úteis, por isso não se trata de um critério utilitário. Pertencemos a uma civilização fanática – é o fanatismo pela verdade. A “vontade de verdade não quer dizer ‘eu não quero me deixar enganar’, mas sim - não há nenhuma escolha – ‘eu não quero enganar, nem sequer a mim mesmo’ - e com isso estamos no terreno da moral”. O mundo verdadeiro de Platão supõe corrigir o mundo aparente, abandonar a caverna. Mas o mundo verdadeiro não é nossa realidade. Assim, é uma questão moral que supõe corrigir nosso mundo. Nietzsche mostra que a crença na ciência é uma crença metafísica. Tanto a crença de Platão, quanto a crença cristã, é a de que Deus é a verdade. Mas o nosso mundo é o mundo aparente. Querer a verdade é querer o que o nosso mundo não é. Querer um mundo melhor traz intrinsecamente uma questão moral – querer corrigir o mundo. A crença na verdade segurou a vida por séculos. Se a verdade não tem valor, se aquilo que era verdade se revela como mentira, nós caímos no niilismo. A moral é, sob essa perspectiva, uma estratégia para sobreviver.
Mas a mentira também pode ter como função preservar a vida. Tanto é que a falsidade de um juízo não chega a constituir para nós uma objeção contra ele. Isso vai contra toda a tradição filosófica que afirma que se um juízo é falso ele não tem valor. Mas, para Nietzsche, em vez de perguntar se um juízo é falso ou verdadeiro, devemos perguntar se favorece e conserva a vida, ou não. Assim, não importa que a ciência tenha sido fundada sobre inverdades. E não só a ciência. A própria sociedade é sustentada por mentiras. Mentiras necessárias. Mas como as pessoas acreditam na mentira, elas querem que seja verdade. Se admitimos a inverdade como princípio, estamos questionando os valores habituais, e isso é perigoso. Uma filosofia que faz isso está se colocando além do bem e do mal, está além da questão dos valores. É melhor que se acredite nas mentiras institucionalizadas. Quem ousa derrubar máscaras e admitir que tudo não passa de uma mentira é excluído da sociedade. Quem não quer ser excluído, basta seguir uma regra simples: chamar de verdade o que conserva o homem no rebanho e mentira o que o ameaça ou exclui do rebanho.
Outro preconceito importante apontado por Nietzsche é o que diz respeito aos opostos. Desde Platão, aprendemos a fazer oposições: bem/mal, falso/verdadeiro, certo/errado, e assim por diante. E, para a filosofia tradicional, todos os opostos estão separados, não têm a mesma origem e não podem nascer um do outro. Assim, os metafísicos criaram fontes diferentes para cada um dos opostos. Mas Nietzsche desvia-se da metafísica, e diz que os opostos têm a mesma origem. Não existe uma origem para o bem e outra para o mal. Ambos têm a mesma origem. Para Nietzsche, são forças que transitam de um polo a outro. Os opostos, tendo a mesma origem, estão enredados – são as mesmas forças que transitam em caminhos diferentes. “Estar consciente” não se opõe ao que é instintivo. O que os filósofos têm chamado de pensamento consciente é instintivo. Para Nietzsche, consciente e instintivo estão ligados, e é o instinto que guia a maior parte do pensamento consciente.
Colocar a metafísica como sendo a rainha das ciências, como fizeram os filósofos por tanto tempo, também é um preconceito com relação às demais ciências. Para Nietzsche, se alguma ciência pode ocupar esse lugar, essa ciência seria a psicologia, desde que essa se desprenda dos preconceitos morais a que esteve presa até hoje, e fale livremente que os impulsos bons derivam dos maus, ou que o ódio, a inveja e a ânsia de domínio condicionam a vida.
Mas nem tudo está perdido. Nietzsche é bastante otimista com relação ao porvir. Para ele, mesmo um erro pode resultar em algo bom. O maior exemplo é o erro de Platão – a ideia do bem em si e do puro espírito – que mesmo sendo o mais persistente e perigoso dos erros, devemos nossa cultura justamente a esse erro. O erro nos serviu de escada para chegarmos onde estamos hoje. A força ainda vem de lá. Quem sabe, os preconceitos dos filósofos também possam nos servir como escada? Isso, é claro, se não afrouxarmos a flecha! Podemos engendrar uma luta contra esses preconceitos, estirar bem o arco, e lançar a flecha no momento certo.
O legado de Nietzsche são os instrumentos que ele nos entrega para serem aplicados. Em “Como o ‘verdadeiro mundo’ acabou por se tornar fábula”, no “Crepúsculo dos Ídolos”, ele conta a “História de um Erro” em seis momentos, sendo que no último, ao constatar que nós expulsamos o verdadeiro mundo e, com o verdadeiro mundo expulsamos também o aparente, ele termina da seguinte forma:

Meio-dia; instante da mais curta sombra; fim do mais longo erro; ponto alto da humanidade; INCIPIT ZARATHUSTRA.








 Zaratustra foi um profeta da moral na tradição oriental – lidava com duas forças: a do bem e a do mal. Os dois mundos de Platão, de certa forma, também representavam essas duas forças – o mundo verdadeiro era bom, e o mundo aparente era falso, portanto mal. Nietzsche nos faz ver que ficamos sem nada, mas há uma esperança: Incipit Zarathustra. A palavra latina incipit quer dizer começo, e estaria ligada às teorias da transubstanciação, a mudança de uma substância em outra, e ao movimento angélico. Nietzsche diz que o apóstolo Paulo é um não-anjo, e Zaratustra é um anjo que traz boas novas. Assim, no sexto momento não temos mais Platão. Agora temos Zaratustra, que, como um anjo, nos trás um presente. Seria um recomeço? O além-do-homem? De qualquer forma, o fim possibilita um novo começo. Uma substância se transforma em outra.
Em “Das Três Transmutações”, no livro “Assim Falou Zaratustra”, Nietzsche fala sobre como o espírito torna-se camelo, como o camelo torna-se leão, e como o leão torna-se criança. Cabe lembrar que, em Nietzsche, não existe a dicotomia entre espírito e corpo. A partir da minha leitura, o camelo representaria a humanidade cristã-eclesiástica. O espírito teria se tornado camelo com a moral cristã, a moral do dever. O camelo não tem escolha, ele deve carregar o peso da culpa. É o espírito de carga, que se ajoelha para ser carregado, e vive no deserto, lugar onde não há fartura, nem de água, nem de comida, lugar onde tudo é mais difícil. Para o camelo, ser virtuoso é cumprir seus deveres, é ser obediente e resignado, é carregar a vida nas costas e se orgulhar do sofrimento. Por dois mil anos há um predomínio do camelo no deserto, e este vive sem reclamar, com sua vontade fraca de ressentido. Ajoelha-se diante do dragão e diz: “sim, meu senhor, eu lhe devo obediência”. O senhor a quem o camelo obedece é o último dragão, que é o “tu-deves”. O dragão seria, de alguma maneira, a lei universal, uma vez que, em um de seus simbolismos ele aparece como o verbo criador. E cada escama do dragão pode ser uma pessoa que obedece. Cabe lembrar que na antiguidade, alguns animais eram símbolos do culto de divindades, na qual o dragão era o símbolo do mal.
Mas Nietzsche nos diz que, assim como um dia o espírito se tornou camelo, existe a possibilidade de se transmutar em leão. O camelo que se transmuta em leão é aquele que percebe a sua condição de escravo. Claro, só procura a liberdade quem está preso. Quem é livre não procura a liberdade. A busca pela liberdade ocorre nessa transição do camelo para o leão. Dizer um “sagrado não ao grande dragão” é se assumir como leão. O leão não deve obediência ao dragão porque é um espírito livre. O lema do espírito livre, do leão, não é “eu devo”, mas sim, “eu quero”. Mas, me parece que há graus de espírito livre. O espírito livre por excelência é aquele que não acredita em nada, é a inversão do crente. O dragão diz ter criado todos os valores. Ele diz: “Todo o valor já foi criado, e todo valor criado – sou eu. Em verdade, não deve haver mais nenhum ‘eu quero’!”. Mas o leão quer lutar contra o grande dragão. Nietzsche diz: “’Tu deves’ está em seu caminho, cintilante de ouro, um animal de escamas, e em cada escama resplandece em dourado: ‘Tu deves’”. O próprio dragão diz ser todo o valor criado, e ele aparece cintilante de ouro. Ora, o ouro foi um dos símbolos de Jesus, como o era também de Apolo. Não é por acaso que artistas cristãos deram a Jesus cabelos louros dourados, como os de Apolo. Cabe aqui lembrar, ainda, que, na mitologia grega, era um dragão que tomava conta do velocino de ouro. Jasão precisou vencer o dragão para levar o velocino de ouro ao rei. Temos também São Jorge em combate com o dragão, que muitos artistas ilustraram como a luta entre o bem e o mal. Além de cintilante de ouro, o dragão é descrito como um animal de escamas. A escama é o símbolo da montanha ou do suporte do mundo, que deriva do símbolo da tartaruga. Na arte românica, as tartarugas aparecem sob os pés do Cristo na ascensão, simbolizando o limite da terra e o contato com o céu. Num outro sentido, que faz sobressair a coincidência dos opostos, as escamas designam, ao contrário, o obstáculo que impede ver o céu. É preciso que as escamas caiam dos olhos para que o homem compreenda. Mas o leão, com seu querer próprio, cria liberdade para que se possa criar novos valores. O leão não é criador de novos valores, mas abre caminho para a nova criação. É preciso a força do leão para vencer o dragão.
Dois mil anos com tal predomínio do camelo não foram em vão. O homem aprendeu muito no deserto. Mas agora precisa ter coragem de querer o que já sabe. Agora precisa se tornar leão. Nietzsche diz no fragmento de outono de 1887: “Só se tem tardiamente a coragem daquilo que se sabe”. Na condição de camelo, o homem não tinha um querer próprio. Qualquer discurso que manifestasse uma experiência individual própria, diferente do rebanho, era muito mal visto. Só havia uma verdade – a verdade do rebanho. O homem na condição de leão é diferente. Assim como o homem é uma ponte para o além-do-homem, o leão é uma ponte para a criança. Não seria a criança o próprio além-do-homem? O leão tem a coragem que faltava ao camelo para impor sua individualidade, para impor sua vontade, que não é necessariamente igual a de todos. No camelo há uma vontade fraca. O leão enfrenta o dragão e provoca o crepúsculo dos ídolos. Derruba os valores antigos, possibilitando a criação de novos. É claro que o camelo ressentido irá odiar o leão por isso.
A partir da minha leitura, para Nietzsche, a criação só é possível onde reina a diferença, onde não há rebanho. Pode-se notar que há graus de flexibilidade nas diferentes fases do espírito. O camelo é todo rígido, devido ao peso dos valores; o leão é bastante flexível, ágil; e a criança é pura flexibilidade.
Podemos nos perguntar: - como se dão as referidas transmutações? Só podemos encontrar tal resposta na própria filosofia nietzschiana. Para Nietzsche, o mundo, e tudo o que existe, é um conjunto de forças em permanente relação de combate. Não existe força no singular, ela se apresenta sempre como multiplicidade. O mundo é uma pluralidade de forças que agem e resistem, umas em relação às outras. O corpo humano, com suas células, tecidos e órgãos, consiste em uma pluralidade em constante combate. A cada momento surgem vencedores e vencidos, e hierarquias vão se formando. Mas essas hierarquias nunca são definitivas. A vida, assim, é um constante vir-a-ser. O que ocorre dentro do corpo, também ocorre entre os indivíduos, que são corpos da sociedade. Sempre há forças que comandam e forças que obedecem, forças ativas e forças reativas. O corpo humano, para Nietzsche, é a grande razão. Quando a grande razão se configura de uma determinada maneira, quando uma determinada hierarquia prevalece, abre-se a possibilidade para a transmutação. Essa configuração não é igual para todos. Se o fosse, estaríamos falando de um padrão, de um modelo, o que seria um absurdo, tratando-se de filosofia nietzschiana. As vontades do leão vêm de configurações de forças que possibilitam o querer. Não é o “eu” do leão que “quer”, mas sim uma pluralidade de forças. Uma vez ocorrida a transmutação do camelo em leão, o fato de o leão impor sua vontade própria, inverte a direção da força. A força que no camelo era reativa, voltava-se contra si mesmo, no leão é ativa, volta-se para fora. Não há mais o espírito gregário, com sua vontade de igualdade, próprio do rebanho, próprio aos escravos. Há que lembrar que, para Nietzsche, o instinto gregário, que prevalece na sociedade de rebanho, não é primordial nem universal. O camelo é um animal doméstico e servil. Seus instintos vitais estão domesticados. O leão é um animal selvagem e astuto – ele observa em silêncio e sabe esperar a hora certa para o ataque. Nessa inversão da força pode-se ver o início de um niilismo ativo, a partir do qual se é possível criar novos valores. É o caminho para o mais forte, para o mais saudável, para o criativo. Para o além-do-homem?



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ESTER FRIDMAN (Brasil, 1963). Filósofa e escritora, pesquisadora da linguagem simbólica, seu tema de mestrado foi A Linguagem Simbólica no Zaratustra de Nietzsche. Estudiosa também das filosofias da Índia, escreveu Kriya-Yoga e a Filosofia dos Kleshas no Yoga Sutra de Patanjali. Contato: ester8fri@gmail.com.


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Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 22 | Dezembro de 2016
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FERNANDO DENIS | Dante Gabriel Rossetti o la gótica soledad de las palabras


Imagino a Dante Gabriel Rossetti dilucidando la literatura como una disciplina del espíritu, un telar de los sentidos, el viaje ilusorio de un sombra con una lámpara en la mano, el portentoso trasegar de una lengua y sus afectos.
La poesía es la imagen y su laberinto, su infinita búsqueda interior, explorar hacia el fondo de las palabras, hurgar con una escobilla en ellas hasta dar con la forma de todos los sentidos, la forma de la vida.
La pintura del poeta Rossetti no es más que el sueño alcanzado por las formas que envenenaron las palabras de un esplendor antiguo.
Dante Gabriel Rossetti era hijo de un poeta y disidente político, Gabriele Rossetti, que se refugió en Londres y tradujo La divina comedia de Alighieri, y allí se casó con Frances Polidori, hermana del médico de Lord Byron, John William Polidori.
Dante Gabriel Rossetti creció en un ambiente familiar próspero y demasiado culto. Sus hermanos eres tres: Cristina Rossetti, famosísima poeta británica, novia además del pintor prerrafaelita James Collison; Maria Francesca Rossetti, monja anglicana, que escribió un estudio sobre Alighieri, y William Michael Rossetti, crítico literario de su época, vocero de la hermandad prerrafaelita, quien, además, haría la edición de la poesía completa (the poetical work) de Dante Gabriel Rossetti en 1897, la cual he utilizado para esta conferencia.
Dante Gabriel Rossetti hizo estudios de idiomas en el King`s College School de Londres y más tarde emprendería las traducciones de los poetas primitivos italianos y de la vita nueva; luego editaría un bello ejercicio editaría titulado Dante y su círculo.
Con los pintores William Holman Hunt y John Everet Millais fundò la hermandad prerrafaelita en 1848, doctrina irreverente que tenía la intención de demostrar que Raphael no era el apogeo ni la cumbre de la pintura sino su decadencia. Por eso optaron por escoger temas medievales. Son suyas las fechas de 1828 a 1882. Durante ese tiempo vivió, y fue para la gloria de Inglaterra una de los mentes más prodigiosas, más sensibles y más talentosas del siglo diecinueve victoriano. Borges decía que Rossetti superó en algunos aspectos a Shakespeare. Y no sólo eso, tuvo la audacia de pintar a las mujeres más hermosas del mundo.
Teólogo de las sombras, genio de una virtud ensimismada y cautelosa, Rossetti es dueño una fascinación oscura hacia el lenguaje, de una conciencia verbal capaz de resistir todas las tormentas con sus locuaces metáforas, sus palabras están ebrias de opio y soledad, de un misticismo enfermizo y doloroso donde el corazón no tiene sosiego, donde la vida busca amparo en sus propios colores. Sus poemas están manchados de pintura, de imágenes que luego sobrevivirían en sus cuadros más famosos.
Chesterton, en ese impecable humor inglés que lo caracterizaba, dijo de él que era demasiado buen poeta para ser un buen pintor, y demasiado buen pintor para ser un gran poeta.
Sin embargo, la lucidez y el encanto que acompañó a Rossetti toda su vida, ese hado misterioso, atiborrado de sueños y de enormes delirios, ese inquietante talento para conmover a los duendes de la escritura y de la historia del arte, esa avasalladora perturbación que sentía por la belleza, es también el testimonio vívido de un ser sobrenaturalmente maravillado, de alguien que está dispuesto a darlo todo por una puesta de sol, como lo haría William Turner, o por el encanto de unos fogosos cabellos rojos iluminando las penumbras de un bosque bajo el dolor de los pinceles.
Rossetti tenía debilidad por las mujeres de fogosos cabellos rojos. Conoció a Elizabeth Siddal, una muchacha de carácter difícil, con bastantes complejos, pero de una gran sensibilidad y una inaudita belleza que lo obsesionó hasta sus últimos días; fue ella la musa que posaría para sus cuadros, y que inspiraría algunos de los poemas más importantes de la literatura inglesa. Sería ella la que posaría para muchos de los cuadros del séquito de sus amigos prerrafaelitas, la misma que posaría horas enteras luchando con el frío de una bañera para el inmortal cuadro de Millais sobre la Ofelia de Shakespeare.
Elizabeth Siddal era de una belleza angelical, demasiado delicada, de rizados cabellos rojos y una inquietante palidez como las novias de Edgar Allan Poe, que además de ser la modelo ideal, tenía talento para el dibujo y para la poesía. La joven musa del poeta terminaría suicidándose con una sobredosis de cloral, una especie de opio líquido. Esa crisis le vino después de haber tenido un niño muerto. En esa época era bastante común que las mujeres tomaran láudano para combatir los animalitos del insomnio. En el decurso de esa muerte, hay un episodio memorable, digno de ser recordado; fue en la larga noche de la bella Elizabeth Siddal hacia el sepulcro, cuando Rossetti, en un acto de expiación o de culpa, puso un cuaderno de poemas manuscritos escritos por él en el pecho de su amada muerta, quizá sus mejores poemas, y con ella se fue ese cuaderno a la tumba. Quizá al otro mundo.
El resto lo cuenta Borges:

A los tres o cuatro años de la muerte de la mujer, sus amigos se reunieron para conversar con Rossetti: le dijeron que él había ejecutado un sacrificio inútil, que a su propia mujer no podía agradarle el hecho de que él hubiera renunciado deliberadamente a la fama, quizá a la gloria que le traería la publicación de ese manuscrito. Entonces Rossetti, que no conservaba copia de sus versos, cedió. Y después de algunos trámites no muy agradables, logró permiso para exhumar el manuscrito que había puesto sobre el pecho de su mujer. Naturalmente, Rossetti no asistió a esa escena digna de Poe. Rossetti se quedó en una taberna, emborrachándose. Y mientras tanto los amigos exhumaron el cadáver y lograron –no era fácil porque las manos estaban rígidas y cruzadas- , pero lograron salvar el manuscrito. Y el manuscrito tenía manchas blancas de la putrefacción del cuerpo, de la muerte, y ese manuscrito se publicó y determinó la gloria de Rossetti.

Esta gótica escena de la vida de Rossetti, que pareciera haber sido escrita por Mary Shelley o por Lovecraft, tiene todos los matices de su época, tiene todos los climas de ese paraíso victoriano frecuentado por el doctor Jekyill y Mr. Hide y también por Jack el destripador.
Aunque Londres giraba hacia un gran desarrollo social y científico, detrás de la aristocracia que revestía de esplendor los grandes salones, esa penumbrosa mentalidad jugó un papel importante en la letras inglesa, en la noche de ese Londres atiborrado de presagios, con sus calles atestadas de fantasmas, con sus cementerios visitados por borrachos y por poetas, con sus laberinticos callejones donde se establecía el comercio con las putas y con las sombras. En ese Londres enrarecido por el caos y por el miedo de donde surgieron algunos de los mejores poemas del mundo, también surgiría de la penumbra de sus calles un muchacho que en la madrugada atravesaba todo aquel infernal paisaje lleno de almas tormentosas para llegar a la fábrica de betunes donde trabajaba: ese joven con cachucha y mal vestido, al que se podría confundir fácilmente con un gamín, más tarde se convertiría en Charles Dickens, el mejor narrador que ha dado Inglaterra.
Esa era la memorable ciudad donde también escribiría Robert Louis Stevenson La Isla del Tesoro, donde Bram Stoker escribiría Drácula, la más recordada novela de terror, donde Robert Browning escribiría El anillo y el libro, uno de los más complejos, extensos y memorables poemas de todos los tiempos, donde Lord Alfred Tennyson escribiría para siempre aquel memorable poema titulado Ulises. Así comienza:

De nada sirve que viva como un rey inútil
junto a este hogar apagado, entre rocas estériles,
el consorte de una anciana, inventando y decidiendo
leyes arbitrarias para un pueblo bárbaro,
que acumula, y duerme, y se alimenta, y no sabe quién soy.
No encuentro descanso al no viajar; quiero beber
la vida hasta las heces. Siempre he gozado
mucho, he sufrido mucho, con quienes
me amaban o en soledad; en la costa y cuando
con veloces corrientes las constelaciones de la lluvia
irritaban el mar oscuro. He llegado a ser famoso;
pues siempre en camino, impulsado por un corazón hambriento,
he visto y conocido mucho: las ciudades de los hombres
y sus costumbres, climas, consejos y gobiernos,
no siendo en ellas ignorado, sino siempre honrado en todas;
y he bebido el placer del combate junto a mis iguales,
allá lejos, en las resonantes llanuras de la lluviosa Troya.

Ese Londres inquietaba en la penumbra de la historia de los prerrafaelitas. Rossetti, en cambio, vivía en una metáfora de la belleza, más allá de las mujeres y los colores que atormentaron su vida. Amó a muchas, y a todas las confundía con las diosas de la mitología griega, con mujeres que se apagaban en las líneas de Shakespeare, con Helena de Troya o con alguna de las amazonas de los bosques ingleses como la reina Ginebra.. Sus poemas tienen una constante del desarraigo emocional que lo invadía, la soledad y la oscuridad que lo acecharon siempre, serían el telón de fondo para una de las más trágicas historias de todos los tiempos, y a la vez, uno de los momentos estéticos más bellos de todos los tiempos.

LUZ REPENTINA

Yo estuve aquí antes,
no sé decir cómo y cuándo:
conozco el prado detrás de la puerta,
el dulce aroma penetrante,
los sonidos susurrantes,
las luces a lo largo de la costa.
Tú has sido mía antes;
no sé decir hace cuánto:
pero apenas esa golondrina remontó,
y giró tu cuello, algún velo cayó;
y lo supe al instante.

¿Había sido así antes?
¿No será que el vuelo concéntrico
del tiempo restaure nuestras vidas,
nuestro amor, a pesar de la muerte,
y nos traiga otro deleite noche y día?
Ahora, entonces, ¡con fortuna otra vez!
¡Duerman mis ojos la agitación de tus cabellos!
¿No yaceremos como hemos yacido,
y así, por amor de Amor,
el dormir y el despertar
no rompan ya sus cadenas?

Este es uno de los poemas más famosos de la lengua inglesa. La sensación de estar profetizando el pasado, es muy recurrente en Rossetti. En su palabra hay un sinfín de asombros, de temperamentos, de giros inesperados, de anónimas sensaciones que minan la conciencia del lenguaje, de sortilegios, de magias, de un misticismo abyecto y sobrenatural que se esconde en el interior de sus paisajes, de un dolor estético, profundo, que hiere incluso a sus propias palabras.
Borges describe la poesía de Rossetti de manera tajante: “En toda la obra de Rossetti se respira un ambiente de invernáculo, de belleza enfermiza. El más famoso de sus poemas, la doncella bienaventurada, es la historia de una muchacha que está en el cielo y qué, inclinada sobre la baranda de oro,, espera, y esperará para siempre la llegada de su amante. La revelación es gradual; el paraíso linda con la pesadilla”.
Sin embargo, el poema que más me impresiona de Rossetti se llama Hermana Helena. Es un texto impregnado de mucha magia, de versos que llevan una música visceral, incesante, y mientras el poema va in crescendo, sentimos que algo se mueve en la atmósfera de nuestra mente, que algo está ocurriendo en nosotros, que algo extraño está moviéndose en alguna parte, y que somos parte de ese asombro, que una fuerza sobrenatural está llevando las palabras hacia un caos inevitable, hacia una insospechada maldición. Es sin duda un poema gótico, sus versos son los más extraños y conmovedores, y en ellos se respira una atmósfera enfermiza, parecida a las crea Emily Bronte en Cumbres Borrascosas, la trágica historia de amor entre Catherine y Heatcliff. A propósito, Rossetti al terminar de leer esta novela escribió: “La acción transcurre en el infierno, pero los lugares, no sé por qué, tienen nombres ingleses”.
No creo que haya un poema más extraño, más elaborado, más cadencioso, más original, y con tantos embrujos que Hermana Helena. Este poema me inquieta, reclama toda mi atención. Sus imágenes son vívidas, envenenan al lector. Todo el poema está contaminado de magia.

-¿Por qué derretiste el hombre de cera, hermana Helena? El de hoy ya es el tercero.
-El tiempo era lento, y sin embargo corría, hermanito.
(¡Oh Madre, madre María, hoy hace tres días entre el Infierno y el -Cielo!)

-Pero si ya has terminado, hermana Helena, ¿me dejarás jugar, como lo prometiste?
-Juega silenciosamente esta noche, hermanito.
(¡Oh Madre, Madre María, hoy es la tercera noche entre el Infierno y el Cielo!)
-Dijiste que debía derretirse antes de las vísperas, hermana Helena; si ya se ha derretido, todo va bien.
-Asi es. No, calla; no se puede saber, hermanito.
(¡Oh Madre, Madre María, qué es esto, entre el cielo y el infierno!)
-¡Oh, el caballero de cera era hoy el más grueso, hermana Helena!;¡cómo ha caído, cómo caen los muertos!
-No; qué sabes tú de los muertos, hermanito?

Este es apenas el comienzo de un largo poema extraordinario. Es la desaforada historia de amor de una muchacha y el ilustre caballero llamado Keith de Ewern, hijo de un barón. Este hombre apuesto se marcha y no regresa. La muchacha queda sola, embargada en un dolor inmenso, y la historia del poema es precisamente la historia de su venganza. Está en una casa azotada por los vientos y junto a un bosque hablando con su hermanito. El poema son estos diálogos magistrales, mientras ella, en pleno acto de brujería, derrite unos muñecos de cera, donde, seguramente, agoniza el alma de su amante. Lleva tres días en la cama agonizando, suplica, la llama a ella en su agonía, dice que anhela la muerte. Llora y suplica. Le envía mensajeros a la muchacha, y un anillo y una moneda partida, y le pide que recuerde las orillas del Boyne, el rio donde se juraron amor, donde compartieron los secretos. Entre los que llegan a la vieja casona están los amigos, el hermano, y el propio padre, el poderoso barón, que lanza súplicas, de rodillas en medio del camino, para que ella retire la maldición y el alma de su hijo amado pueda descansar en paz. De golpe doblan las campanas, y el hermanito dice que suenan más fuertes que el toque de vísperas. La hermana le contesta que no es el toque de vísperas, que doblan las campanas por un muerto. Luego el niño dice que han ayudado al anciano a incorporarse y se va, marcha por el camino neblinoso. Pero es más largo el camino hacia el cielo o al infierno. Los muñecos de cera caen uno tras otro y las llamas se consumen.
Este poema, Sudden Light, aparece fragmentado en la novela De sobremesa, de José Asunción Silva. En dicha novela el poeta Silva menciona muchas veces a Rossetti, y se nota en la prosa contaminada de poesía que busca crear efectos para impresionar con el decorado, los ambientes, los paisajes y las atmósferas decimonónicas de los cuadros prerrafaelitas.
Otro poeta colombiano que escribió bajo la sombra tutelar de Rossetti, fue Porfirio Barba-Jacob. Su poema El espejo comienza así:

¿Mi nombre? Tengo muchos: canción, locura, anhelo.
¿Mi acción? Vi un ave hender la tarde, hender el cielo…
Busqué su huella y sonreí llorando,
Y el tiempo fue mis ímpetus domando. ¿Mi nombre? Tengo
Muchos: canción, locura, anhelo.

Y un poema de Rossetti comienza así:

Mírame a la cara, mi nombre es Pudo Haber Sido,
También me llaman Nunca Más,
Demasiado Tarde y Adiós.

He citado, sólo de pasada, a dos poetas colombianos que han bebido de las fuentes más puras de la poesía de Dante Gabriel Rossetti, que han recibido su influjo. Es imposible abstenerse a esa implacable debilidad después de haberlo leído. Sólo he citado a dos, pero podría citar a muchos ya que es imposible no encontrar una corriente posterior a Rossetti que no haya sido contaminada por el prerrafaelita. Poetas como Leopoldo Lugones, Rubén Darío, Jorge Luis Borges, Amado Nervo, Gustavo Adolfo Bécquer; o los ingleses Ted Hugues o el grandioso Robert Graves. De este último quiero citar un poema: 

EL ROSTRO EN EL ESPEJO

Ojos grises absortos, clavando distraídos la mirada
desde anchas órbitas dispares; una ceja colgando
un poco sobre el ojo
por una esquirla alojada aún
bajo la piel, como un recuerdo de guerra.
Nariz torcida y rota -un recuerdo del rugby-
mejillas surcadas, pelo áspero y gris flotando frenético,
frente arrugada y alta,
prominente quijada, orejas grandes, maxilar de púgil,
pocos dientes, labios llenos y rojos, boca ascética.
Me detengo con la navaja en alto, rechazando con burla
al hombre reflejado cuya barba exige mi atención,
y una vez más le pregunto por qué
aún está dispuesto, con la soberbia de un joven,
a cortejar a la reina en su alto pabellón de seda.

Rossetti amó a muchas mujeres. Le fascinaban las mujeres de encendida cabellera roja. Además de su amada esposa, Lizzie, tuvo relaciones secretas con una mujer pelirroja tan grande que le puso de apodo “El Elefante”. También fue amante de Jane Morris, la esposa de uno de sus mejores amigos, William Morris, escritor y el gran innovador de las artes decorativas de su tiempo, dueño de una imprenta y también miembro de la hermandad prerrafaelita. Después del suicidio de Lizzie Siddal, fue Jane Morris quien lo ayudó a soportar la vida hasta sus últimos días. Rossetti, ese ser talentoso y desventurado, agobiado por el alcohol, el insomnio, la neurosis, la insoportable soledad, terminó suicidándose curiosamente de la mismo en que se mató su amada esposa, injiriendo una sobredosis de láudano, en una casa quinta, donde había un patio con canguros y otros animales raros.
Soy de los pocos poetas que ha profesado una verdadera admiración hacia Dante Gabriel Rossetti. Y por azar, porque los libros siempre dan con su lector, cayó a mis manos un libro que contenía algunas clases de había dictado Borges en la universidad de Buenos Aires. La clase número 20 dedicada a Dante Gabriel Rossetti, Borges hace referencia a una extraña tela pintada por Rossetti y titulada “How they met themselves. Citaré literalmente lo que dice Borges sobre dicho cuadro.
“Me olvidé de decir que la luna de miel la había pasado Rossetti en París con su mujer, y que ahí pintó un cuadro muy extraño, dado lo que ocurrió después, y dado al carácter supersticioso de Rossetti. La tela, que no tiene –me parece- mayores méritos pictóricos, y que está en la Tate Gallery o en el British Museum, no recuerdo, se titula: “How they met themselves”, “Como sé que se encontraron consigo mismos”. No sé si ustedes saben que hay una superstición que se ha dado en muchos países del mundo, la superstición del doble. En alemán el doble se llama Doppelgânger, viene a ser el doble que camina a nuestro lado. Pero en Escocia, donde la superstición perdura todavía, se llama “fetch”, porque fetch en inglés es buscar, y se entiende que si un hombre se encuentra consigo mismo, eso es indicio de su propia muerte. Es decir, esa aparición del doble viene a buscarlo. Y hay una balada de Stevenson que se llama “Ticonderoga”, cuto tema es el fetch. Ahora, en el cuadro de Rossetti se trata, no de un individuo que se encuentra consigo mismo, sino de una pareja de amantes que se encuentran consigo mismo en el crepúsculo de un bosque, y uno de los amantes es Rossetti y el otro es su mujer. Ahora, nunca sabremos por qué Rossetti pintó ese cuadro. Puede haber pensado que pintándolo él alejaba la posibilidad de que le ocurriera, y también podemos conjeturar –aunque no haya ninguna carta de Rossetti que lo justifique-, que realmente Rossetti y su mujer se encontraron consigo mismos, digamos, en Fontainebleu, o en cualquier otro lugar de Francia. Los hebreos tienen esa superstición, la de encontrarse con un doble. Pero para ellos, el hecho de que un hombre se haya encontrado consigo mismo no significa su próxima muerte, significa que ha llegado al estado profético. Hay una leyenda talmúdica de tres hombres que salieron en busca de Dios. Uno se volvió loco, el otro murió y el tercero se encontró consigo mismo”.
Cuando yo era muy joven, un muchachito de la provincia y habitaba en la Ciénaga Grande de Santa Marta, en ese paraíso ecológico que serviría de fondo para las cuentos de García Márquez, yo escribí un poema extraño también, basado en esa tela de Rossetti de la que hablaba Borges.

LOS QUE SE ENCONTRARON

                                   De una tela de Dante Gabriel Rossetti

Buscando la última luz del crepúsculo
nos internamos en el bosque.
Dicen que en ese árbol milenario dormía Merlín,
que las más bellas (también las que se despertaban
en sus tumbas) venían a ver su sueño.
El árbol ardía en fosforescentes azules como su traje,
como sus ojos. Arriba la luna se dibujó, perfecta.
Su largo reflejo sobre el río de escarcha y de tiempo
nos dolió en las pupilas. Arrojamos piedras, barcos, monedas.
Ella me dijo: “Las estrellas son guerreros de luz
que resplandecen sobre nuestro destino”.
La noche nos cercaba con sus sombras y sus delirios
como un gran óleo, como una tela del Renacimiento.
Y yo pensaba en su cara, su cabellera resplandeciente
y rojiza como el fuego.
Imaginé que caminábamos en la orilla de un poema anónimo.
  Cortamos por un sendero de robles frondosos,
después por un claro del bosque que nunca había visto.
Sentí que el universo no avanzaba con nosotros,
que se detenía.
Apareció ante nosotros una imagen de los dos,
como en un sueño. Detrás de los árboles aparecieron
un hombre y una mujer idénticos a ella y a mí,
como un espejo. Y ella se desmayó entre mis brazos,
aún no sé cuál de las dos.



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FERNANDO DENIS (Colombia). Poeta, ensayista y editor. Sus libros más recientes son La mujer que sueña en las murallas (2012), Los mosaicos de Babilonia (2016), Los cinco sentidos del viento (2016). Es creador y director de la colección ZENÓCRATE de literatura hispanoamericana. Página ilustrada con obras de Kenichi Kaneko (Brasil), artista invitado de esta edición de ARC.



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