terça-feira, 1 de março de 2016

LAUDELINO FREIRE | Pedro Américo


Na pequena cidade de Areia, do Estado da Paraíba, nasceu Pedro Américo, a 29 de abril de 1843. Descendente de família de artistas, teve ainda, em proveito da precocidade das suas aptidões, o esmero de uma educação que foi diretamente iniciada por seu próprio pai, o violinista Daniel Eduardo de Figueiredo, que, "instruindo-o nas primeiras letras e rudimentos da música, procurava contemporaneamente satisfazer-lhe a sede de saber e desenvolver-lhe a vocação, cada dia mais acentuada, para o desenho, pondo-lhe nas mãos a biografia dos mais célebres pintores, ou livros e fragmentos que lhe pareciam ser apropriados ao preparo intelectual do seu caro filho."
Dentro em pouco, eram conhecidas na cidade paraibana as manifestações do gênio do pequeno Américo, que todos admiravam com verdadeiro espanto.
"Em fins de 1852, chegou a Areia, em missão exploradora, o naturalista francês Louis Jacques Brunet, homem de grande ilustração e amigo de Leverrier, de Lamartine, de Dumas pai e outras celebridades da ciência e das letras. Ouvindo falar tanto e com tamanha admiração do pequeno Pedro Américo, quis conhecê-lo pessoalmente e foi procurá-lo à casa paterna.
"Tinha o precoce desenhador menos de dez anos; sua timidez habitual cedeu prestes o lugar à confiança que lhe inspiraram as maneiras insinuantes e as palavras bondosas do sábio explorador, assim como ao interesse que, no seu juvenil espírito, despertou uma pequena coleção de gravuras - cópias de quadros célebres -, que lhe mostrara o estrangeiro, e que ele pôs-se a contemplar cheio de pasmo.
"Depois de examinar atentamente diversas paisagens e retratos feitos pelo pequeno, quis o Sr. Brunet certificar-se da verdadeira habilidade deste, para o que, fê-lo desenhar, do natural, um chapéu, uma espingarda e diversos outros objetos, que Pedro Américo reproduziu fielmente. Então, manifestou o naturalista o desenho de levá-lo em sua companhia como auxiliar, cujo concurso ser-lhe-ia precioso para os estudos que ia empreender.
"Como era natural, sentiu-se o Sr. Daniel Eduardo lisonjeado, mas de certo não acreditaria na sinceridade daquela proposta se, poucos dias depois, não fosse consultado pelo presidente da Província, Dr. Sá e Albuquerque, a respeito do seu consentimento na nomeação de Pedro Américo para desenhador da comissão exploradora, da qual era chefe aquele distinto naturalista.
"Quando Pedro Américo soube da notícia e do consentimento paterno, - diz Luís Guimarães Júnior - sentiu-se crescer cinco palmos, de súbito. - Explorar a província!, exclamava ele consigo, sem poder dormir uma hora, na véspera da partida. Ver árvores que nunca vi; grotas escuras e cheias de rumores desconhecidos; pássaros novos, cantos, harmonias, borboletas, mistérios da natureza luxuosa e esplêndida! - No desempenho dessa missão, que durou vinte meses, atravessou, com o Sr. Brunet, que se tornara seu amigo e apreciador, toda a província da Paraíba e parte das de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí.
 "Em dezembro de 1854, chegava Pedro Américo à cidade do Rio de Janeiro, obtendo matrícula no Colégio Pedro 2º, por intermédio do Visconde do Bom Retiro. No ano seguinte, iniciou na Academia o seu curso de arte. Aí, o jovem paraibano chamou logo sobre si a atenção geral, tanto pela extraordinária inteligência, quanto pela assiduidade e grande aplicação...
"Na Academia, foram incrivelmente rápidos os seus progressos; não se passou, talvez, um dia, sem que as mais robustas provas de um talento superior deixassem de aumentar o grande conceito em que era tido por mestres e condiscípulos, ou novos triunfos de enriquecer o seu cabedal de glórias escolares.
"No fim desse tirocínio inicial, possuía o estudante, como troféus de legítimas vitórias, quinze medalhas de ouro e prata e diversos diplomas de aprovações com louvor, prêmios obtidos em exames brilhantes ou em concurso com os colegas."
Enquanto estudante, pintou vários retratos e quadros, sobressaindo o Jesus da Cana Verde, São Miguel, São Pedro ressuscitando a filha de Tabira, etc.
Em fins de 1859, seguiu para a Europa, onde se demorou até 1864, tendo frequentado a Academia de Belas Artes de París, o Instituto de Física de Ganot e a Universidade de Sorbonne, onde foi discípulo de Ingres. Aluno de David, distinguiu-se pela pureza de seu desenho. Principais obras: La Source, A Capela Sistina, O voto de Luís XIII, A apoteose de Homero, A odalisca, O banho turco.] Léon Coignet, Flandrin e Horace Vernet.
Depois de ter permanecido em Paris três anos e meio, visitou muitas outras capitais europeias. Estando outra vez em Paris, aí encontrou ordem para voltar ao Brasil, e a comunicação de ter concluído o tempo da pensão que lhe dava o Imperador.
"Chegando em 1864 ao Rio de Janeiro, alistou-se logo Pedro Américo no número dos que disputavam a cadeira de desenho, que lhe foi concedida no meio de um concerto de louvores do corpo docente acadêmico, do público, e de seus próprios contendores. A sua tela - Sócrates afastando Alcebíades dos braços do vício - atesta ainda a legitimidade desse triunfo.
"Cumpre registrar uma curiosa e rara ocorrência motivada por esse concurso, diz Luís Guimarães. O mais distinto dos pretendentes à disputada cadeira, o Sr. Le Chevrel, vendo o quadro de Pedro Américo, declarou-se imediatamente vencido, e disse aos juízes e examinadores que a escolha devia unicamente recair sobre o autor da Carioca."
Nessa época, pintou, além de outros trabalhos, o Petrus ad Vincula, pertencente à Igreja de São Pedro, no Rio de Janeiro, diversos retratos, e deu os últimos toques na Carioca. Em 1865, voltou para a Europa e, durante essa sua nova estada nos centros europeus, pintou o - São Marcos, a Visão de São Paulo e a Cabeça de São Jerônimo, além de outros quadros.
Defendeu teses em Bruxelas, o grau de doutor em Ciências Naturais, depois de ter sido aprovado "com grande distinção, em exame público que durou cinco horas. A solene cerimônia, que se realizou na presença do Cônsul do Brasil, foi narrada pelo Diário Oficial, o Independência Belga, o Eco do Parlamento e outros jornais, em termos honrosíssimos para o laureado paraibano, cujo primeiro pensamento, depois da vitória, foi regressar ao Brasil, onde iria exercer o seu magistério na Academia de Belas Artes.
Ainda a propósito da sua defesa de tese, transcrevemos, do excelente trabalho do Dr. Cardoso de Oliveira, que tanto aqui nos tem servido, o seguinte: "O Diário Oficial Belga de 16 de janeiro de 1868, assim noticiou o fato, que assumiu as proporções de um grande acontecimento no mundo científico de Bruxelas, em um honroso artigo que foi transcrito pelos outros jornais do País:

Um publico numeroso assistia, quarta-feira última, na sala magna da Academia da Universidade Livre, à defesa pública de uma tese apresentada pelo Sr. Pedro Américo de Figueiredo e Melo, doutor em Ciências Naturais... Quer na exposição, quer na discussão do seu trabalho, o candidato deu provas de um talento muito notável, que lhe valeram, por muitas vezes, aplausos do auditório. Decidiu, pois, a Faculdade das Ciências, por unanimidade, que o Sr. Pedro Américo de Figueiredo e Melo passara essa prova com a maior distinção, e conferindo-lhe, em consequência, o grau de adjunto à Universidade de Bruxelas.

De regresso ao Brasil, passou em Lisboa, em fins de 1869, hospedou-se na casa de Porto-Alegre, então cônsul brasileiro naquela cidade, realizando o seu consórcio com uma das filhas daquele cônsul. Em começo de 1870, chegou ao Rio, entregando-se ao exercício da sua cadeira.
O período de 1870 a 1873 foi o da sua maior fecundidade artística. Pintou a Batalha do Campo Grande, tela que figurou na Exposição Universal de Viena e pertence ao Ministério da Guerra, no Brasil; Ataque da Ilha do Carvalho, os retratos de D. Pedro 1º e D. Pedro 2º, por encomenda do presidente do Senado, o retrato equestre do Duque de Caxias, a Ondina, e muitas outras telas.
A 19 de agosto de 1872, o então ministro do Império, conselheiro João Alfredo, contratou com o artista a execução de um grande quadro alusivo a qualquer dos grandes feitos de nossa história.
João Alfredo Correia De Oliveira, dito Conselheiro João, político brasileiro. Formado em Direito (1858), foi deputado em sua cidade (1859) e presidente das províncias do Pará e de São Paulo (1861). Deputado em quatro legislaturas, senador (1877), ministro do Império (1871-1875 e 1877), presidente do Conselho e organizador do gabinete de 1888, que aboliu a escravidão no Brasil. Na República, foi diretor do Banco do Brasil.]
Pintou então, Pedro Américo, o esboço da Batalha do Avaí, cujo quadro definitivo só pôde ser concluído em 1877, em Florença, Itália, onde foi exposto. O artista, tendo saído do Brasil em 1873, só chegou àquela cidade em 1874, depois de ter permanecido meses em Lisboa.
Ao mesmo tempo em que trabalhava no seu grande quadro, pintou o episódio do Passo da Pátria. A Batalha do Avaí, diz o seu biógrafo, é incontestavelmente uma obra prima do mestre brasileiro; e, no conceito universal, uma das mais notáveis da arte moderna.
Contemplaram-na, já bastante adiantada, os mais ilustres artistas e publicistas de quase todo o mundo, reunidos em Florença, em 1875, durante as festas comemorativas do centenário de Michelangelo, e voltavam para os seus respectivos países espalhando a fama de Pedro Américo, que eles também tinham ouvido discursar em duas línguas estrangeiras, diante do Mausoléu e do Davi do grande florentino.
Desde o Neva até o Prata, celebraram os prelos a excelência do painel e os méritos de seu autor, em centenares de artigos, alguns dos quais firmados por autorizados escritores, proclamaram o pintor da Batalha do Avaí: um mestre inatingível, de incomparável talento, o mais dotado e importante pintor dos nossos tempos e o chefe da atual escola idealista da Europa. -
O governo italiano ratificou este alto juízo, mandando colocar na sala dos pintores célebres da "Galleria Nazzionale degli Uffizzi" o retrato de Pedro Américo, exigindo que fosse feito por ele próprio. Por uma feliz coincidência, tocou-lhe ficar colocado entre os de Ingres e Flandrin, seus antigos mestres em Paris. O ministro da Instrução Pública da Itália, que por muitas vezes solicitara a remessa desse retrato, agradecendo-a por ofício, acrescentou que lhe era grato erigir-lhe aquele primeiro monumento.
Voltando a Florença, continuou o grande artista a trabalhar incessantemente, sendo numerosa a lista dos quadros que fez de 1878 a 1882. Eis os mais importantes: A Batalha de San-Martino, Menina espanhola de 1600, Os filhos de Eduardo 4º de Inglaterra, D. Inês de Castro, Judite e a cabeça de Holofernes, D. Catarina de Ataíde, D. João 4º Infante, A noite acompanhada dos gênios do amor e do estudo, Joana D'Arc, Menina pintora, Jocabed levando ao Nilo seu filho Moisés, O voto de Heloisa, Moema, etc. Para a grande exposição de 1884, mandou muitos desses quadros. Em princípios de 1885, seguiu para a França e, depois de algum tempo, chegou ao Brasil, vindo de assumir o exercício da sua cabeça de desenho.
Em fins desse mesmo ano, foi à cidade de São Paulo, com o intento de pintar uma tela comemorativa da Proclamação da Independência. A 14 de janeiro de 1886 firmava o contrato com o Governo do Estado para executar o trabalho dentro de três anos.
Voltou à Itália e, no curto espaço de um ano, levou ao fim a execução do trabalho. Veio ao Brasil fazer a entrega do quadro, a que denominou de Proclamação da Independência, depois de tê-lo exposto em Florença, em 8 de abril de 1888. A 14 de julho desse mesmo ano, foi a tela entregue ao Estado de São Paulo.
Em começo de 1889, voltou à Europa, onde continuou a pintar vários trabalhos, entre os quais, Voltaire abençoando o neto de Franklin, em nome de Deus e da Liberdade, quadro que o artista veio pessoalmente, em 1890, oferecer ao governo de seu país.
Eleito, nesse mesmo ano, deputado ao Congresso Constituinte, por seu Estado natal, resolveu deixar definitivamente a sua residência em Florença e vir para o Rio de Janeiro. Daí em diante, só voltou ao velho mundo por motivo de moléstia. Na sua predileta Itália, já melhorado, começou o artista, em 1893, vários estudos históricos, concluindo o Tiradentes esquartejado, que trouxe para o Rio, onde o expôs.
 Ainda em 1893, pintou A visão de Hamlet. De 1892 a 1895, produziu outros trabalhos, dentre os quais citaremos o busto de muçulmano, intitulado Abd-ur Rohman e o Noviciado.
 Em 1897, pintou o quadro Honra e Pátria. Pintou, depois, a grande tela alegórica Paz e Concórdia, que foi seu último trabalho. Este quadro orna o peristilo do palácio do Itamarati.
Foi, Pedro Américo, um pintor de batalhas, retratista, pintor decorativo, histórica e pintor bíblico. Em que gênero mais soube acentuar a sua individualidade artística? Onde mais conseguiu realçar o seu gênio: nas grandes concepções das cenas bíblicas, na interpretação dos fatos históricos, ou nas disposições dos grandes feitos bélicos? A resposta verdadeira será que foi grande em todos os gêneros que buscou interpretar. Num, porém, se firmaram as suas extraordinárias qualidades de artista. Foi o gênero bíblico. E isso mesmo ele o sentira e o manifestara quando, em 1864, escrevendo a Vítor Meireles, assim se exprimiu:

Minha natureza é outra. Não creio dobrar-me com facilidade às exigências passageiras dos costumes de cada época, que também são uma das fontes em que um talento como o seu pode achar pérolas. A minha paixão, só a história sagrada a sacia.

Não foi apenas um pintor célebre. Foi também cultor de filosofia, homem de ciência, orador, poeta e romancista. Em tudo, soube manifestar a superioridade do seu talento privilegiado.
"Tipo genuinamente brasileiro, escreve o distinto dr. Cardoso de Oliveira, de mediana estatura, franzino, moreno e pálido, olhos e cabelos pretos, ar melancólico e sereno, rosto expressivo e caracterizado por largas sobrancelhas, basto bigode e uma inseparável luneta, tal é, em largos traços, o modesto aspecto físico de tão grande vulto."
Pedro Américo faleceu a 7 de outubro de 1905, na cidade de Florença.
Tendo o governo do Estado da Paraíba pedido a entrega do corpo do seu grande filho, foram os despojos mortais do artista transportados para a terra natal, que lhe acaba de erigir um monumento.
Da sua vasta produção, pertencem à nossa Escola de Belas Artes os seguintes quadros: Batalha de Avaí, A Carioca, Joana D'Arc, Judite, D Catarina de Ataíde, D. João 6º, Heloisa, A rabequista árabe, Virgem dolorosa, Jacober, David e Abisak, Voltaire, Retrato do Conselheiro Lopes Neto e Sócrates afastando Alcebíades do vício.



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Laudelino Freire (Brasil, 1873-1937). Filólogo, ensaísta e editor. Fundou e dirigiu a Revista da Língua Portuguesa, em 1918. Foi o autor do Grande e novíssimo dicionário da Língua Portuguesa. Página ilustrada com obras de Pedro Américo (Brasil).






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